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6 de dezembro de 2018

Há tantas novas palavras para identificar o machismo que nos machuca

Além de criar novas palavras, precisamos destruir os estereótipos que envenenam as histórias que contamos umas as outras, diz a escritora Érica Bombardi

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Quem senta no Divã de hoje é a Érica Bombardi. Foto: Arquivo pessoal

“Empoderamento feminino é uma expressão que não existia quando eu era adolescente. A palavra ‘feminismo’ existia, mas eu apenas vim a conhecê-la aos 20 anos, na faculdade.

Faria diferença se eu tivesse conhecido essas palavras antes?

Dias desses, vi uma nova palavra: mansplaining, que é quando os homens explicam as coisas para as mulheres.

Há tantas palavras novas para se classificar o machismo. É como se as mulheres estivessem a colocar em um insetário todos esses termos, cada um com suas peculiaridades, esticando as patinhas deles, uma por uma, fixar seu abdome com um alfinete, colar um nome científico logo abaixo dele.

Fico maravilhada com a capacidade que as mulheres desenvolveram e aperfeiçoaram de identificar o que as machucam e mostrar assim ao mundo todo.

Mansplaining. Será que faria diferença se eu tivesse conhecido esta palavra antes? Eu a conheci, acho, neste ano.

Mais e mais mulheres, cada vez mais cedo, estão conhecendo o que é o machismo, identificando-o, e classificando-o no insetário de machismos.

Cada vez que escrevo, ou digo, o mínimo sobre isso, sobre feminismo, escuto o público masculino bufar. Todo o público masculino, meus amigos, parentes, desconhecidos, caras aleatórios andando na rua, todos eles. Consigo vê-los nitidamente a revirar os olhos, consigo até escutar o barulho dos globos oculares raspando dentro das órbitas. Não sei se há um nome para classificar isso.

Feministas são sempre vilãs. Eu acabo de escrever isso aqui, mas não é minha esta frase. Eu a li em um texto de Júlia Leonel, chamado Demônia, uma dessas produções jovens de escarlate coragem, de uma dessas mulheres maravilhosas que estão despertando cada vez mais cedo.

Eu gostaria de ter lido textos como Demônia há 30 anos. Nem digo que gostaria de ter escrito algo assim há 30 anos porque eu não teria conseguido. Não sem conhecer palavras como “empoderamento feminino”, “mansplaining” ou “feminismo”. Não, eu não teria a mínima chance.

Uma brilhante chance que as mulheres e garotas de hoje têm. E que não é nada de absurdo, e sei que você pode até vir a concordar comigo se parar por um segundo de revirar os olhos.

A chance de que eu falava: essas meninas, garotas e mulheres têm a chance, a oportunidade, de saber que elas estavam em segundo plano em suas próprias vidas durante muito tempo. Elas finalmente viram os muros que as mantinham presas nos quintais do mundo.

Agora já sabemos e estamos classificando, criando palavras novas, educando nossas meninas e meninos, estamos escrevendo textos brilhantes e escarlates, estamos sonhando em ser mais livres do que um dia ousamos. Clarice Lispector disse uma vez “liberdade é pouco, o que quero ainda não tem nome”.

Pois estamos a dar nomes. E cada nome é um martelo. E cada palavra dita em voz alta derruba um pedaço do muro.

Liberdade é pouco

Eu também quero mais.

Eu estou educando meus filhos para isso, e estou me fortalecendo para isso, e estou escrevendo para isso. Sim, escrevendo, porque já cansei de mocinhas que desmaiam, de mulheres que apenas ficam ao lado do herói forte e másculo, daquela que aparece apenas para ser a namorada.

Cansei das personagens femininas que morrem ao dar à luz, cansei das protagonistas que sempre são abusadas, cansei da moça linda e burra que é odiada por outra moça linda e estudiosa, cansei das histórias criadas para que uma mulher aprenda a ter concorrentes, e não irmãs.

Além de criar novas palavras, nós todas, nós todos, precisamos destruir os estereótipos que envenenam as histórias que contamos umas as outras para “nos entreter”, para “nos distrair”, “apenas para passar o tempo” e que “não fazem mal algum serem assim mesmo”. Pois fazem. Fazem muito mal. Histórias que contamos a nós mesmas, por menores que sejam, se inscrevem dentro de nós.

Empoderamento feminino, feminismo, machismo, mansplaining, manterrupting, gaslighting, bropriating. Conheçamos todas as palavras. Isso faz, sim, a diferença. As palavras nos dão argumentos, ferramentas, instrumentos, para enfrentar o que pode vir.

E, se não vier, então já teremos chegado lá.”

Quem senta no Divã de hoje é a Érica Bombardi

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* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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