Quem senta no Divã de hoje é Bruna Fontes*
“Assim que ficou claro para mim que eu era lésbica (e não bi ou curiosa) e começou todo aquele processo de sair do armário, fiquei um tanto perplexa com a reação das pessoas. Minha irmã que queria ser freira aceitou numa boa, mas ouvi cada uma das amigas prafrentex. A que mais me marcou foi “mas não vai virar caminhoneira, hein!?”. Ser lésbica, tudo bem, desde que eu não deixasse isso tão evidente.
Outra amiga, ao ver que eu tinha colocado no perfil do Orkut que era gay, teve uma boa intenção que saiu por linhas meio tortas: ‘Não é uma boa colocar isso assim, público. Tem muita gente preconceituosa, tenho medo que comecem a te hostilizar, te agredir’. Mas gente, era só uma informação; violência mesmo seria eu negar ou esconder quem eu sou.
É tão delicioso e libertador finalmente entender seu desejo, que só a autoaceitação já é um baita motivo para ter orgulho de si. É isso que orgulho gay quer dizer para mim. Mas, se é para desfraldar a bandeira do orgulho, por que nós, lésbicas, estamos agitando a da visibilidade?
De saída, as lésbicas vivem no mesmo mundo de invisibilidade feminina que todas vocês já estão descabeladas de conhecer. Mas no campo amoroso, diferentemente da mulher heterossexual, a lésbica não tem um homem que ‘legitimize’ a sua relação em uma sociedade heteronormativa. Se você tem um namorado, é uma relação séria; se tem uma namorada, é uma amizade colorida. Afinal, nem sexo rola direito (sim, já ouvi isso). Quando terminei uma relação de nove anos, muita gente chegada simplesmente ignorou a minha (imensa) dor: foi como seu eu tivesse apenas brigado com a minha melhor amiga. Próximo assunto.
Saindo do armário
Muitas ainda não saem do armário por medo, o que é bem compreensível quando pensamos que existe por aí um arco de retaliações sociais que inclui até mesmo estupros corretivos. Outras acham que a sexualidade é uma coisa só sua e ninguém tem nada a ver com isso. Outro dia uma amiga não muito mais velha do que eu (que estou encerrando os 39) disse que quando era mais nova achava que devia viver sua vida nos guetos sapatões mesmo, porque ninguém era obrigado a vê-la se pegando com outra.
Como entre duas mulheres sempre rola muita intimidade – as amigas se abraçam e se beijam, vão juntas ao banheiro etc –, fica muito fácil ter um relacionamento velado e continuar na invisibilidade. Se você for discreta, ninguém vai perceber que você é lésbica. E que mal tem que a sua mãe insista em apresentar sua namorada como sua amiga para os outros?
Então é importante falar de visibilidade, porque muitas sapas ainda andam escondidas por aí.
Não dá para ter orgulho do ‘amor que não ousa dizer seu nome’, nem de viver disfarçando seu desejo, seu carinho por outra mulher porque outras pessoas não se sentem à vontade com isso. Quando a gente se esconde, os preconceituosos se enchem de razão: se o que estamos fazendo é tão natural, por que esconder dos outros? Só pode ser errado mesmo. Sob a invisibilidade, cresce a intolerância.
Ser ostensivamente lésbica — sim, eu quero dizer beijar em público, assumir o visual caminhoneira, se assim desejar, ou declarar seu amor nas redes sociais — pode ser arriscado, mas é um grande bem que você faz para si e para as outras minas que estão no processo de descobrir ou afirmar sua sexualidade. É assim que nascem a identificação, a autoaceitação e o orgulho de ser quem você é. Se você não definir e exibir a sua sexualidade como bem quiser, outra pessoa vai se encarregar de fazer isso e te enquadrar no estereótipo mais conveniente.
A visibilidade, para mim, não se dissocia do orgulho. Como minha namorada gosta de dizer, ‘eu ando de mãos dadas com você porque tenho orgulho de estar com você e de sermos quem somos’. Vamos juntas?”
*Bruna é curiosa, por isso mesmo se formou jornalista na ECA-USP e já trabalhou nas mais variadas áreas do jornalismo, da nutrição à construção. Vive em São Paulo se divertindo com as boas conversas, os gatos e a alquimia dos coquetéis.
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