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Agnes Arruda
3 de março de 2022

Tudo bem ser gorda, mas precisa mostrar a barriga?

O meme, o cropped e a gordofobia

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cropped meme gordas

Difícil quem perdeu a tour do “reage, mulher, bota um cropped” que tomou a internet brasileira neste fevereiro. Eu mesma, que ando por aí reagindo já há algum tempo, confesso que me senti incentivada pelo meme a desfilar com a barriga de fora como sinal de reação… Inclusive porque, na minha terra (São Paulo), o verão que estava faltando finalmente resolveu dar as caras.

Acho interessante o quanto uma peça de roupa pode simbolizar tanta coisa. Cropped não é top, não é bRusinha, não é “parte de cima de biquíni”. Nesse contexto, cropped se tornou a essência do empoderamento feminino: “reage, mulher, bota um cropped!” e já temos mais de meio caminho andado para os nossos problemas se resolverem.

Para as gordas, no entanto, colocar um cropped nem sempre foi fácil. Ainda não é, vamos falar a verdade. Com 115 Kg e 1,62m, sou o que chamam de “gorda menor”, variando entre os manequins 48 e 52 dependendo da confecção e, mesmo assim, no meu guarda-roupas as opções desse item celebrado do vestuário não são tantas, nem tão estilosas assim, ainda que eu goste muito delas.

Cabe ainda dizer que o desafio de ter a peça não é o único pelo qual a gorda passa se quiser “reagir”. Vestir um cropped e sair por aí com estômago de fora, essa parte do nosso corpo tão julgada e condenada, é colocar à prova a ressignificação de uma das frases mais comuns da gordofobia: “Tudo bem ser gorda, mas precisa mostrar a barriga?”. Muito provavelmente você já disse ou já ouviu isso, né?

O preconceito berra

Observando bem, vejo dois contextos em que essa frase aparece, e nenhum deles diminui a carga do preconceito. No primeiro deles, é o afronte da gorda que se faz presente. “Onde já se viu ter coragem de sair de casa GORDA DESSE JEITO!?”, pensam – e muitas vezes verbalizam – as mentes e bocas gordofóbicas. A jornalista Jéssica Balbino escreveu sobre isso já. No texto ‘Mas como que ela tem coragem?‘, ela diz: “A atitude da mulher gorda é vista como coragem, afinal, é preciso uma certa dose de desprendimento e autoconfiança para enfrentar o mundo que não só diz, mas BERRA, o tempo todo, que a mulher gorda deveria se envergonhar por ser quem é.”

Leia mais: Sua moda não é inclusiva, então pare de dizer que suas peças cabem em mulheres gordas

E daí que quando o “tudo bem ser gorda, mas precisa mostrar a barriga?” aparece, fica evidente que, apesar de “aceitar” que a pessoa gorda exista, não há espaço, nem físico, nem metafórico, para que essa existência seja da maneira que a pessoa gorda quiser. Isso inclui as coisas mais simples, como botar um cropped e… reagir!

No outro contexto, tem-se uma velha conhecida da gordofobia: a culpabilização da vítima pelo preconceito que ela sofre. “Tudo bem ser gorda, mas precisa mostrar a barriga?” é um questionamento que, quem faz, não se dá conta de que, muitas vezes, a barriga tá de fora porque a blusa curta é a única que serviu no corpo daquela pessoa na loja em que ela tinha condições de comprar.

E se o caimento não é dos melhores, na cabeça gordofóbica, a culpa é de quem? Das marcas – que não produzem roupas adequadas ao corpo das pessoas, mesmo sabendo que elas vão pagar pelas peças – ou das pessoas, que não alteram seus corpos para vestir roupas que custam uma pequena fortuna? A resposta se resume em uma expressão: “cultura das dietas”, esse fenômeno contemporâneo que alimenta e é alimentado pelo preconceito.

Leia mais: Já pensou em fazer dieta?

Para a gorda, reagir, botar um cropped, é muito mais que decidir ser dona da própria vida. É também perceber que os traumas que vieram de uma vida julgada pela aparência e vestuário foram, finalmente, ressignificados. Por isso, gorda, seja de cropped ou não, saiba que reagir não é uma opção, é o que faz a nossa própria existência.

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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