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30 de outubro de 2019

Ser uma menina é o primeiro desafio de ser…

O primeiro, mas não o único desafio, de meninas que encaram um destino traçado pela sociedade para o seu lugar no mundo

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Os dados de uma pesquisa apresentada no último dia 11 me fizeram pensar na menina que eu fui, nas meninas com quem trabalho e no quanto é importante mantermos o olhar nas meninas que saem tão atrás na largada.

Meninas que, possivelmente, jamais chegarão a conhecer a realidade material de uma vida plena, em que sua existência não se limite a servir, seja aos homens que se fartam de seus “objetos sexuais”, seja seus filhos e suas famílias, seja as mulheres e homens, famílias e empresas que se beneficiam de seus serviços domésticos, precarizados e invisibilizados. 

A pesquisa foi realizada pelo Plano de Menina em abril de 2019 com mais de 700 meninas e mulheres, entre 16 e 34 anos, de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Salvador e Recife pertencentes à classe B e C brasileira. E ela mostra, dentre outros dados que:

  • 80%  está insatisfeita com seu presente e perspectivas futuras; 
  • 92%  atribui a dificuldade financeira o principal fator para não realizar seus planos; 
  • 54%  sente falta de estrutura e suporte para orientar seus planos. 

Me vi nesses dados também. Sei que muitas de nós estivemos neste lugar em algum momento. 

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De cada 10 mulheres entrevistadas, apenas 2 estão satisfeitas com a vida que têm.

Além disso, quase 80% estão em algum tipo de transição. 

E não sai da minha cabeça que 80% delas não sabe bem o que fazer para atingir seus objetivos. É exatamente aqui que podemos entrar para ajudar. Seja com a nossa experiência, mas principalmente construindo pontes e estendendo-lhe a mão, o colo. 

Eu mesma, com a minha história e toda a minha luta pra ter a vida que tenho hoje, por um bom tempo me deixei convencer de que eu era o case da meritocracia. A prova viva de que o sucesso depende apenas de esforço e de trabalho duro! As pessoas diziam: “olha aí! só não faz quem não quer! Veja o seu caso!”

Acreditar nisso era quentinho, era gostoso, massageava meu ego, era fácil: me colocava na posição de credora do mundo. Distante da minha responsabilidade de uma pessoa incrivelmente privilegiada e de muita sorte.

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Sim, eu tive muita sorte e alguns privilégios! 

Por nascer na maior cidade da América Latina e depois imigrar para um país super desenvolvido com um sistema público de educação de dar inveja às melhores escolas particulares do Brasil, ou o privilégio de nascer branca, o que me abriu muitas portas (ou ao menos não fechou!). Por ter uma mãe que, dentro de todas as suas dificuldades e das violências que ela mesma vivia, sempre me deu o máximo que tinha pra dar. 

Mas eu tive sorte mesmo por ter tido tantas fadas e anjos da guarda no meu caminho. Foram fadas e anjas que me ajudaram a não entrar na estatística da maioria das crianças que convive com abusadores. 

Foram elas que me deram a mão para que eu pudesse sobreviver à depressão e à tentativa quase bem sucedida de tirar minha própria vida, quando ainda não sabia como lidar com a bagagem que eu carregava. 

Foram elas que me disseram que eu era valiosa, que eu era especial e me fizeram sentir amada.

Quando me dei conta disso, no início me senti culpada, mas logo percebi que meu maior mérito foi justamente o de receber a ajuda, aceitar as oportunidades e me tornar protagonista da minha vida. 

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Mas eu só pude fazer isso porque alguém me ajudou a acreditar que eu merecia sonhar e me ajudou, me ensinou a realizar meus planos para atingir meus objetivos. 

Me livrei da culpa: as mãos que se estenderam pra mim nunca foram de culpa e nem de pena. As minhas também não serão! 

Ser embaixadora do Plano de Menina para mim é ISSO: solidariedade e a responsabilidade do privilégio. Ser a fada madrinha que tantas pessoas já foram para a menina que eu fui. 

Permitir que meninas conheçam o seu valor e que saibam que são dignas de amor e de respeito e de ocuparem todos os espaços que desejarem. 

Inspirar e ser inspirada! Pelas mulheres como a Viviane Duarte, fundadora do projeto, e como tantas de vocês que estão aqui e são uma inspiração para mim e por todas as meninas que eu vejo e nas quais me reconheço. 

Reproduzir discursos meritocráticos, que desconsideram toda a estrutura injusta e opressora, para poder olhar para a desigualdade com a consciência tranquila é ser cúmplice.

“A primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la”, disse Eduardo Galeano. 

Reconhecer o privilégio, aceitar a sorte, agradecer a oportunidade e assumir a responsabilidade!

Que jamais nos esqueçamos das injustiças e das dores deste mundo e nem deixemos de estender o braço e dar a mão para as meninas que precisam de alguém que acredite nelas e nos seus planos e lhes mostre caminhos e possibilidades. 

Porque se essa pesquisa traz dados alarmantes, que podem ser doloridos, ela também traz um mundo de oportunidades para todas nós que, do nosso lugar de privilégio, podemos e devemos dar as mãos para estas meninas e mulheres. 

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Se 92% delas afirma que a principal barreira para realizar seus sonhos é financeira, é também verdade que 54% sente falta de alicerces e 18% tem problemas com medos e inseguranças. Ora, se não podemos ajudar a todas com as questões financeiras, certamente podemos estar juntas para ajudar a derrubar as demais barreiras. Nem que seja com pé na porta! 

Obrigada Vivi por ter sonhado e criado o Plano de Menina e por compartilhá-lo de forma tão linda e generosa com as mulheres que, como eu, já foram esta menina desacreditada. 

Obrigada por me permitirem retribuir! 

Na sexta-feira, dia 11 de outubro, Dia Internacional da Menina e quase um ano após a estreia do documentário #MeDáUmaLicença, tive o privilégio de me emocionar com a formatura das meninas de São Paulo que aconteceu em um Festival no maior museu da América Latina, o MASP, recheado de depoimentos inspiradores, meninas prontas para tomarem o seu lugar no mundo. 

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Eu saí verdadeiramente inspirada desta sexta-feira em que pude celebrar as meninas de hoje e também a menina que fui. Em que pude ouvir mulheres incríveis como a juíza aposentada Mylene Ramos, a jornalista Valeria Almeida, Joyce Ribeiro, Ju Faria (que revolucionou o ativismo digital feminista no Brasil), Adriana Carvalho da ONU Mullheres, Karol Conka, Xan Ravelli e tantas tantas outras mulheres com histórias de superação e inspiração, mas principalmente com histórias de sororidade, de apoio, de companheirismo encontrado em algum lugar e em algum momento. 

Me inspirei mais ainda com as meninas que se formaram, que estão bem no meio deste sonhar, deste acreditar e iniciando a realizar. 

É mesmo verdade que uma menina com planos pode mudar o mundo! Um mundo em que meninas compreendam que não nasceram para servir e que podem encontrar uma saída para este destino que a sociedade espera delas. É um sonho individual compartilhado coletivamente em muitos espaços de resistência. 

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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