A revista íntima e vexatória em presídios brasileiros é proibida em alguns estados e considerada tortura por organismos internacionais, mas, infelizmente, segue sendo realidade no país. Para que possam visitar seus familiares na prisão, mães, filhas, irmãs, esposas, sem poupar idosas e crianças, são obrigadas a se despir completamente, agachar três vezes sobre um espelho, contrair os músculos e abrir com as mãos as partes íntimas para que agentes do Estado possam realizar buscas de objetos em seus corpos.
Após mais de 8 anos em julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou a maioria de votos para finalmente invalidar provas obtidas pela revista íntima vexatória no final de outubro. No entanto, o ministro Alexandre de Moraes, que teve voto divergente, pediu destaque e interrompeu o julgamento pela sexta vez. A discussão está marcada para ser retomada de forma presencial no dia 13 de novembro e os ministros, caso queiram, ainda poderão mudar seus votos.
Abordar a questão da revista vexatória é tratar diretamente da violência de gênero, raça e classe, uma vez que as mulheres, negras e pobres, são a maioria das visitantes do sistema prisional. Entidades de direitos humanos, entre elas a Rede Justiça Criminal (RJC) e o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), têm denunciado a situação. Um levantamento da Pastoral Carcerária, em 2022, colheu centenas de relatos de visitantes do sistema prisiona e mostrou que 97,7% das vítimas dessa revista são mulheres e, dessas, 69,9% são negras.
Apreensão irrelevante
Em São Paulo, o estado com a maior população carcerária do país, apenas 0,02% das revistas íntimas resultaram em apreensão de objetos, de acordo com a Defensoria Pública Estadual. Mesmo diante da baixa quantidade de materiais ilícitos apreendidos, são inúmeros os relatos de mulheres submetidas a essa prática constrangedora e humilhante.
Poucas unidades prisionais dispõem de scanner corporal para evitar a revista íntima. E a falta de treinamento e expertise dos agentes prisionais com o equipamento acaba gerando um efeito contrário. Comumente os funcionários não conseguem interpretar a imagem, ou a interpretam de maneira errônea. Isso ocasiona o direcionamento da pessoa visitante a uma unidade de saúde para averiguação ou submissão à revista íntima.
Como consequência, acabam perdendo seu dia de visita, tendo em vista o tempo que demoram a ser atendidas, ou mesmo acabam diminuindo sua frequência de visitação, caso a revista íntima ocorra. A redução das visitas muitas vezes acontece a pedido das próprias pessoas presas, que procuram evitar que entes queridos passem por algo tão invasivo e desrespeitoso.
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Violência de gênero
Relatos colhidos em 2023 pela AMPARAR – associação de familiares e amigos de presos/as e internos/as da Fundação Casa em São Paulo – apontam que mulheres deixavam de se alimentar adequadamente ou de tomar medicamentos no dia da visita por medo do scanner identificar algo suspeito.
Em um país no qual os dados de violência e abuso sexual contra as mulheres e crianças só crescem, o que nos diz a Suprema Corte quando decide reiniciar um julgamento que já dura tantos anos? Por que não há interesse de pôr fim a essa violência de gênero cometida pelo Estado?
*Este artigo foi escrito por: Giovanna Preti, assessora da Rede Justiça Criminal, Carolina Dutra, Juliane Arcanjo e Michele Ferreira, do Programa Justiça Sem Muros do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) e Laura Luz, da Comunicação do ITTC.