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Eram só mascarados – repetia Marcela a cada novo encontro arranjado às pressas. Quando não sabia o que encontraria, subindo de elevador até a torre mais alta de algum hotel impecável, concluía que não carecia saber. Nos lençóis amarfanhados, todo dia era carnaval. Não era preciso se revelar, trocar ideias, aquele território não tinha regras de convivência, só um acordo tácito de testar limites. Uma festa à fantasia. Ninguém disse que ela também não podia ter um disfarce.
O trabalho, na verdade, era bem menos pesado do que Beatrice, a patroa, fizera crer. Ou quem sabe tenha sido propícia a estratégia de temer pelo pior – fazia todas as coisas parecerem mais fáceis, até um pouquinho cômicas. Marcela tinha bravura. Sabia encarar portas fechadas e, quando as amigas perguntavam sobre a estranheza daquelas tarefas, lembrava a elas que cachorro vira-lata não escolhe osso. Abraçava as oportunidades com as pernas. Estrangulava a culpa com os joelhos.
O resultado era direto e conclusivo, cheirava a couro e papel pardo. Gorjetas saudáveis, compatíveis com o esforço. Admiravam a naturalida, os pioneiros do projeto. Aquela sua menina, Beatrice, a novata… Deus do céu. É delícia, é delícia sem frescura. Ela tinha começado até a repetir clientes. Taras estranhas, outras convencionais. Havia mesmo alguns que recomendavam para os amigos e depois voltavam, trêmulos de ciúmes e exigindo carícias mais carinhosas. Perigo.
Destino de puta fidelizada, em via de regra, só podia ser três: paixão, pobreza ou morte. Ou todos ao mesmo tempo. As profissionais gabaritadas recomendavam o óbvio naquele manual que ninguém nem tinha escrito – ainda bem, porque Marcela não sabia ler direito: se o homem não pode ser um investidor à altura do risco, melhor se livrar. Que se a gente apaixona por pouco estraga todo o processo. Ninguém estava imune de um coraçãozinho derretido por luxúria.
Marcela, que nunca tinha amado alguém assim desse jeito, achou – como todo mundo que nunca amou alguém – tudo isso uma grande bobagem. Não havia espaço para sementes no terreno morto reservado para os sentimentos nobres, aquela horta onde agora só se plantava saudade. Deixar o filho para trás tinha sido seu último ato de amor.
Sentia a falta do menino espremendo-lhe os ossos, madrugada adentro, e quando acordava não conseguia respirar. Tomava água e rezava uma salmo antigo, mas não conseguia dormir de novo sem antes deitar lágrimas pesadas de culpa. Chegava a ligar para a fazenda de Matias, o telefone chamava eternamente e quase ninguém atendia. Em um sábado, responderam: a voz rouca e impaciente de uma mulher que falava gritando. Marcela não teve coragem de pedir pelo filho. Seria mais difícil para Arthur se fingisse que sabia explicar o impossível.
Silêncio e remorso. A natureza completa de um vazio.
***
Porque nada mais parecia importar atendeu o rapaz Rodolfo com a mesma regularidade e paciência, todas as noites que ele a convocava para comer saladas chiques em coberturas espelhadas. Chamava-o mesmo de rapaz: apesar do título de deputado federal, porque não via naqueles traços de trinta e cinco anos qualquer coisa adulta. Tinha, sim, um rosto juvenil, de bochechas rosadas e longas madeiras escuras, caindo pelas orelhas no corte pouco ortodoxo para o meio político; olhos pretos de amoras maduras no verão. Marcela sabia que lá na câmara chamavam-no de galã. Ele se divertia com isso.
“Acha que sou bonito?”
“É um gatinho, amor.”
Rodolfo nunca dizia o que queria e Marcela não sabia o que fazer, hesitando sem classe, os talheres de prata tão lindos, toalha de linho branco, garrafa de champanhe que dava cócegas no céu da boca. Não passavam da mesa de jantar, caprichosamente erguida no meio da suíte, a cama terminava arrumada, ele a mandava embora sem consultar seu corpo. Assustador e imprevisível. Ela tentava adivinhar.
Seria o galã um necessitado de outro tipo de prazer e estava, naturalmente, com medo de admitir? Ela gostaria de ter dito que não se importava, por exemplo, em se fazer de macho. Ele devia estar ciente disso, para recrutar seu atendimento, todos sabiam que Beatrice tinha meninas e meninas, mas Marcela era coringa, reservada para quem estava cansado do baralho todo; Marcela topava sem julgar, a rainha dos enrustidos.
O que é que Rodolfo queria com ela, se não queria nada?
No segundo mês, quando se viu pensando na questão mais do que o normal, nem precisou consultar o oráculo da vida noturna para saber: gostava do suspense. Todas as garotas uma hora ou outra tinham o seu cavalheiro misterioso, a maioria muito bem casada, um protetor de códigos secretos. Rodolfo, delicado e sensual, não queria tirar a roupa, e ela achou que sabia por quê. Achou que entenderia e aceitaria quaisquer vontades que ele tivesse e era por isso que ele demorava tanto. Confie em mim benzinho, sussurrou, apertando a mão grande e quente. Sentindo desejo. A falência de uma puta, sentir desejo. Me fala o que te faz feliz, fala.
Com o sorriso inesperado, o deputado rapaz concluiu que a tática funcionava. A espera valia o preço. Sem terminar o prato de camarão refogado ao alho, agarrou a prostituta pelo queixo, sentindo a fragilidade do maxilar, cheirou a pele morna e estrangulou o pescoço fino. Força e desejo que se encontravam e se confundiam. Arfante, mas ainda não decepcionada, Marcela viu a sombra do diabo se liquefazer naqueles olhos, derretendo-lhe na boca, provou uma gota. Tinha gosto de amoras esmagadas.