No Brasil, mulheres originárias não reivindicam um “feminismo indígena”. Primeiro, porque os povos indígenas não representam uma unidade. Embora tenham pautas em comum, a defesa da terra como algo sagrado e de importância cultural, bem como as múltiplas relações a partir do gênero, podem ser diferentes de acordo com o território e o povo.
Depois, a própria definição de gênero dos povos indígenas se difere da visão trazida pelos colonizadores. Determinadas atividades possuem, historicamente, diferenciação entre gêneros, mas sem que isso signifique que as mulheres são inferiores aos homens.
Como as mulheres negras, as indígenas jamais tiveram que lutar pelo direito de trabalhar, uma vez que seus corpos foram explorados e escravizados. E mesmo fora da lógica escravista, as mulheres originárias não são vistas como frágeis – trabalham no roçado, com sementes ou na cestaria.
O contato com não-indígenas
Muitas das violências atuais decorrem do marco histórico da colonização e da “miscigenação”. Com o contato com não-indígenas, o corpo das mulheres foi mais exposto a doenças e assédios. E mesmo sem o rótulo de “feministas”, as indígenas caminham pelo direito à dignidade e à saúde. Em alguns momentos, essa luta não se vê separada dos homens: a luta pela terra e pela soberania alimentar é, em si, por essas pautas. Em outras ocasiões, ela é sim específica.
Por isso, encontros como a Marcha das Mulheres Indígenas se tornaram necessários. Onde as demandas estão presentes e as mulheres de diferentes povos se fortalecem entre si, com homens indígenas sendo convidados a ouvir.
As particularidades – os recortes de gênero – também estão presentes em movimentos como o feminismo comunitário de Abya Yala e o feminismo comunitário antipatriarcal. Assim como em grupos de articulação científica como o movimento plurinacional Wayrakunas e em grupos de conexão política como a Articulação Nacional Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA).
Embora não tenha um “feminismo indígena”, existem diversos exemplos de que as mulheres indígenas fazem frente aos resquícios coloniais que perduram até hoje, e elas consideram sabedorias ancestrais – uma delas é perceber o bem-viver como motor para o futuro.
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Representatividade não é o ponto final
Em 2018, Joênia Wapichana foi a primeira mulher indígena a ser eleita deputada federal no Brasil. Ela atuou para barrar as investidas do governo em políticas anti-indígenas. Em 2022, seu legado já se mostra na eleição de Sônia Guajajara e Célia Xakriabá como deputadas federais.
É, sem dúvidas, uma celebração para os povos tradicionais que protegem a terra a chegada delas na política institucional. Mas, ao mesmo tempo, a ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que sempre incentivou o racismo indígena, foi eleita. E os discursos preconceituosos se difundem.
Outras mulheres, como Bia Kicis e Carla Zambelli, integram uma bancada feminina, sim. Mas conservadora. Isso mostra a armadilha de uma representatividade pautada apenas em características físicas, mas não em projetos políticos.
Sônia e Célia são a cara de um Brasil que quer preservar o meio ambiente quando o mundo inteiro fala de mudanças climáticas e mercado de carbono. Assim como elas, há muitas outras que estavam concorrendo a cargos e não foram eleitas, e tantas outras que colocam seus corpos na linha de frente contra a violência.
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As mulheres indígenas que lutam pela proteção da terra, da natureza e dos direitos humanos, trazem um olhar sobre a violência de gênero, mas também sobre a preocupação com a segurança das próximas gerações. Algo que só pode ser garantido com a preservação da nossa biodiversidade. Não basta ser mulher, é preciso defender um projeto de vida e de futuro.