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Jamille Anahata
18 de abril de 2023

Autodeclaração é uma vitória indígena

No mês nacional da resistência dos povos indígenas, celebramos a conquista do que nunca deveríamos ter perdido: a possibilidade de nos autodenominar

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autodeclaração indígena

Índio eu não sou

Não me chame de “índio” porque

Esse nome nunca me pertenceu

Nem como apelido quero levar

Um erro que Colombo cometeu.

(…) 

“Índio” eu não sou.

Sou Kambeba, sou Tembé

Sou Kokama, sou Sataré

Sou Guarani, sou Arawaté

Sou Tikuna, sou Suruí

Sou Tupinambá, sou Pataxó

Sou Terena, sou Tukano

Resisto com raça e fé

Márcia Wayna Kambeba

Os movimentos indígenas já conquistaram avanços históricos, e uma de suas maiores vitórias até agora pode parecer algo “simples” para os desavisados: o direito à autodeclaração. Isso é, o direito de se declararem indígenas, denominando a si mesmos.

Da invasão do que hoje conhecemos como Brasil até a Constituição de 1988, quem dizia quem era indígena eram os outros. Primeiro foram a Igreja Católica e a Coroa portuguesa, depois, o Estado, antropólogos, entre outros cientistas não-indígenas.

Nossa história colonialista inventou réguas para dizer quem era indígena e quem não era, criando ou acirrando conflitos entre povos originários. Enquanto estávamos distraídos com nomenclaturas criadas por invasores, eles poderiam assaltar a terra, impor suas crenças e matar diversas etnias.

Essa herança ainda é tão forte que, ainda hoje, existe um discurso onde não-indígenas querem medir quem é indígena “de verdade”, atravessando a autonomia de quem pode falar por si. O direito à autodeclaração sofreu e continua recebendo ataques nos dias atuais.

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O primeiro grande marco para a autodeterminação indígena é a Constituição de 1988. A partir da organização dos povos indígenas, a Carta Magna reconheceu os povos como capazes de se representarem. Até então, o Estado exercia “tutela” sobre esses povos originários, para “integrar” os indígenas à sociedade, a partir de instrumentos como o Diretório dos Índios, as políticas ditas indigenistas e órgãos como o Serviço de Proteção ao Índio e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPI).

Outro marco é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, em vigência por aqui desde 2009. A Convenção é um tratado que reconhece os direitos dos povos indígenas ao seu próprio modo de vida, à terra e a definir seus conceitos de desenvolvimento. Embora o país tenha se comprometido internacionalmente, o cumprimento e a participação na Convenção não deixou de sofrer ameaças. Em 2021, parlamentares se movimentaram para que o tratado não vigorasse mais.

Ameaças de não-indígenas

Tanto a Constituição Federal quanto a Convenção 169 foram formalmente aceitas a partir do suor de movimentos sociais indígenas. Foram anos de empenho para poderem se autodeclarar, ou seja, nomear a si e não depender da heteroidentificação -quando não-indígenas definem quem é indígena ou não.

Para não-indígenas, a régua do “ser indígena” requer uma pureza inexistente, que ignora todas as violências, escravizações e assédios sofridos ao longo dos séculos. Além disso, se apegam a características específicas de povos amazônicos, cuja história é diferente dos povos de primeiro contato, aqueles da costa brasileira que primeiro se depararam com os invasores em 1500, como os indígenas do Nordeste.

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O direito à autodeclaração é também direito à autonomia e ao reconhecimento. Se não fosse essa conquista, povos como Kalankó, Koiupanká e Jeripankó – alguns dos que foram declarados extintos pelo Estado – não teriam o direito de se autodenominar, após um intenso trabalho de sobrevivência das suas tradições e identidades.

Ao contrário do que se prega a partir de uma visão de mundo hiperindividualista, como a que vivemos atualmente, “identidade” também tem seu cunho coletivo e comunitário. Especialmente em contextos indígenas, está ligada ao pertencimento e à memória.

Uma pessoa autodeclarada indígena não está solta – ela faz parte de um coletivo. Ela não é uma subclasse de indígena, porque todas as pessoas indígenas no Brasil são autodeclaradas. O Estado que interfere nesse processo, ou pelo menos, não deveria.

Somos nós quem dizemos quem somos, dentro dos nossos parâmetros coletivos de auto-organização.

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Se hoje estamos nos espaços antes nos negados nas produções audiovisuais, na política, na academia, nos livros, dizendo “Nada sobre nós sem nós”, é porque temos garantido o direito de usar a nossa voz para dizer quem somos.

Isso é a autodeclaração. E ela é uma vitória indígena a ser celebrada.

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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