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27 de junho de 2019

‘Minha vagina era território desconhecido para mim’

'Novas experiências fortaleceram meu senso de independência afetiva e me mostraram que nós, mulheres, podemos ter sexo sem afeto'

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Foto: Arquivo pessoal

Quem senta no Divã de hoje é a Sumaya Mattar

“Como acontece todos os dias, todas as horas, com a maioria das mulheres, terminei um relacionamento de forma traumática. Escolhia receber pouco da vida, daí os amores medíocres. Mesmo assim, esforçava-me para mantê-los, ainda que meu corpo não os desejasse mais. Sempre acabavam com choro, com ansiolíticos. Com o último, a mente não me dava tréguas.

Com o tempo, a tristeza já não era sentida fisicamente e o corpo criara um escudo à prova de amores e de fantasias. Mas esse escudo tinha um efeito colateral: tirava de mim o prazer, castrava-me. É incrível como plantamos nossos corações em solos inférteis, lançamos as sementes entre as pedras sem regá-las e não as recolhemos para lançá-las em solo produtivo.

Um ano se passou até que fiz a escolha de não me apaixonar novamente e de estabelecer um novo compromisso com meu prazer; meu corpo queria ser sentido, tocado, atiçado. “Ok, se meu coração não quer participar dessa festa, vou deixá-lo quieto, guardado”, pensei. Na verdade, o período em que fiquei reclusa me deu a percepção de que eu arrastava uma corrente e nela estavam presas todas as mulheres que me antecederam.

Assim dei início ao que chamo de “genuína busca do prazer”. Nessa nova fase, a primeira pessoa com a qual me relacionei foi comigo. Sim! Até então nunca me permiti me tocar. Havia um muro invisível em meu corpo, minha mão não conseguia transpor essa barreira e, por mais insano que possa parecer, minha vagina era um território desconhecido para mim. Explorá-la ficava a cargo apenas dos homens. Alguns, mais desbravadores, descobriam alguns tesouros e me levavam ao paraíso. Outros contentavam-se em molhar as pontas dos dedos na superfície de um oceano profundo.

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Para derrubar esse muro, contei com a contribuição de um conjunto de processos e ferramentas energéticas que facilitam a expansão da consciência, chamado Access Consciouness, com o qual trabalho, juntamente com a leitura do tarô. Aprendi a ouvir meu corpo, então percebi que ele gritava para ser tocado, acariciado por mim. Daí tive coragem para investir contra esse muro, cujos tijolos eram as crenças de que se masturbar era sujo – sentia-me vigiada pelos olhares inquisidores de uma sociedade ainda pautada no falso pudor e no moralismo.

Já colhendo as benesses do prazer solitário, resolvi encarar outra empreitada: voltar a me relacionar. Só que tangencialmente, porque ainda não estava preparada para encarar um relacionamento sério — ainda não me livrara da corrente que me atava a velhos padrões. Então me veio a ideia de procurar parceiros em um aplicativo de relacionamentos.

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Há mulheres que resistem a usar esses aplicativos, ou por questões de segurança, ou por medo de serem expostas a uma situação de violência, ou por medo do julgamento das outras pessoas. Como sou audaciosa e viciada em romper paradigmas, decidi enfrentar meus medos e julgamentos e confiar no meu feeling.

Minhas experiências têm sido muito gratas! Conheci carinhas muito legais, inteligentes, carinhosos, divertidos que me proporcionaram muito prazer e contribuíram para o fortalecimento da minha autoestima. Ao nutrirem meu corpo e minha alma, essas experiências me conectaram de novo com minha essência feminina. Nesse contexto, nunca procurei saber se esses homens são compromissados, já que, de início, deixava claro que não queria nada sério. As escolhas que os outros fazem pertencem a eles.

Esses relacionamentos também me mostraram que não dependo do outro pra me sentir completa. Sempre que me relacionava, por iniciativa própria, abria mão da minha vida: deixava de lado amizades, hobbies, como me sentar no bar com amigos, ir ao cinema, fazer trilhas.

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Essa atitude gerava algumas consequências: 1ª: eu sufocava meu parceiro e colocava-o em um pedestal que o obrigava a corresponder às minhas expectativas (o que fatalmente não acontecia). 2ª: como eu me isolava do círculo social, rapidamente o relacionamento se tornava entediante, já que não tinha experiências novas pra compartilhar com meu companheiro. 3ª: quando o namoro acabava, me via completamente só e isso aumentava ainda mais a tristeza e a sensação de abandono.

Essas experiências não apenas fortaleceram meu senso de independência afetiva como também percebi uma crença limitante (mais uma) que por muito tempo alimentei: a de que à mulher só é permitido o prazer com afeto, ou seja, nós só podemos ter sexo dentro de um relacionamento. Daí a quantidade significativa de mulheres (inclusive eu) que embarcam em roubadas, mantendo relacionamentos pouco expansivos.

Encerro esse texto com um final “conto de fadas”: essas vivências trouxeram de volta não só o calor do meu corpo como também a vontade de me abrir de novo para o afeto. Encerro com gratidão essa fase, pois vejo-me madura para me aventurar em um novo compromisso no qual buscarei ser eu mesma (já me desvencilhei daquela corrente que mencionei no início).

Corro o risco de reviver velhos padrões? Sim, mas acredito que, diante dos aprendizados que colhi, sinto-me apta a identificá-los e, então, escolher caminhos onde seja possível vislumbrar um vasto horizonte de possibilidades.”.

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* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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