“Pai, mãe, eu tô namorando, o nome dela é …”. Com a mesma naturalidade de quem diz que vai fazer um bolo ou buscar uma água, foi como meus pais souberam sobre a minha sexualidade. Nada de “precisamos ter uma conversa” ou um grande segredo a ser revelado. Pude escolher o momento e a forma como eu me sentia confortável para essa “saída do armário”. Uma entre tantas, como explica a youtuber Louie Ponto, já que em muitos momentos a gente precisa dizer de novo e de novo sobre nossa sexualidade (ou gênero, no caso de pessoas trans) ao longo da vida.
A última vez que saí do armário foi hoje mesmo, em um procedimento de saúde, em que as perguntas relacionadas à minha vida sexual foram todas sobre um parceirO. Esse pressuposto geral de que todas as pessoas do mundo são cisgêneras e heterossexuais – conceituado como cisheteronormatividade – é o que faz com que a gente tenha que “se assumir” tantas vezes ao longo da vida. Não é à toa que pessoas cis-hetero não precisam ter “A” conversa com sua família para esse momento de grande revelação sobre quem elas são ou sobre o gênero daqueles com quem elas se relacionam afetivo-sexualmente. Esse é o padrão socialmente esperado. São frequentes, inclusive, os relatos de mulheres lésbicas cujas famílias passam por um processo até aceitar seus relacionamentos não-hétero, mas mantêm a crença de que a lesbiandade seria uma manifestação de afeto dirigida a uma pessoa específica. Os familiares acreditam que, com o término daquela relação, essas mulheres voltariam a se relacionar com outros homens.
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Mas retomo aqui a frase inicial do texto: se eu pude falar com tanta naturalidade com meus pais é porque sempre encontrei dentro de casa um ambiente de confiança e respeito. Tinha a certeza de que aquele era um espaço seguro em que eu poderia falar sobre quem eu sou e não receberia nada além de amor. Infelizmente, essa não é a realidade da maioria das pessoas LGBTI+. Ironicamente, nas casas de tantos dos pais que se dizem os grandes “defensores da família e da moral”, o sentimento que predomina entre filhas e filhos LGBTI+, ou mesmo entre outras meninas e mulheres, é o medo. Medo de sofrerem agressões, de serem expulsas de casa, de serem vítimas de violência psicológica, física ou sexual.
Que defesa seletiva de família é essa que se reúne para expôr e repudiar uma criança vítima de violência sexual que busca ajuda para não viver uma gravidez forçada? Ou que se calam diante de uma mandante de homicídio que afirma que assassinar o marido era uma solução mais cristã do que se divorciar? Que dizem preferir um filho morto a um filho gay?
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Não existe defesa da família em ambientes de medo, violência ou humilhação. Quem realmente se preocupa com a família oferece segurança, acolhimento e cuidado. Neste mês da visibilidade lésbica, desejo que todas nós tenhamos espaços como este: sejam os espaços de onde viemos ou aqueles que construímos com nossas redes. E que, enquanto sociedade, caminhemos em direção a um futuro com relações familiares mais saudáveis, pautadas no afeto.