Com o aumento já esperado do número de casos de infecção pelo novo coronavírus (Covid-19) e também com o registro dos primeiros óbitos em decorrência do vírus no Brasil, as recomendações para a contenção da pandemia em território nacional começam a se intensificar.
Cidades como Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e também o Distrito Federal começaram a adotar a suspensão de atividades escolares, dentre outras medidas para reduzir a circulação em espaços públicos e frear a curva de contágio pelo vírus.
A medida preventiva tem extrema importância, mas suscita uma questão: com quem ficarão estas crianças cujas aulas estão suspensas? Enquanto boa parte dos trabalhadores seguem com suas rotinas inalteradas, há três alternativas prováveis em nosso contexto.
Famílias de classes sociais mais altas podem convocar babás: mulheres periféricas, majoritariamente negras, que deixarão os próprios filhos em casa e serão expostas a transportes públicos lotados para assumir os cuidados de outras crianças.
Outra possibilidade, já frequente na vida de tantas famílias brasileiras, é que as avós, mesmo pertencentes ao grupo de risco, tenham que assumir essa função.
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Um terceiro cenário inclui mulheres sobrecarregadas, tendo que negociar com seus patrões e sujeitas ao aval deles para que possam conciliar trabalho remoto e cuidado dos filhos.
Sabemos que tempos atípicos exigem adaptações, mas o que se vê é a repetição de uma questão recorrente em nosso cotidiano: o cuidado com as crianças é atribuído majoritariamente às mulheres, em especial às mulheres negras.
Da mesma forma, serão elas as mais afetadas pelo racismo epidêmico, diante de orientações para a prevenção como uso de álcool em gel 70% ou a frequente lavagem de mãos, que não contemplam uma parcela da população que sequer tem acesso a saneamento básico, como mostra a #Covid19NasFavelas.
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Neste cenário, diversos âmbitos além da saúde pública e do sanitarismo demonstram que precisam ser repensados, como as relações trabalhistas, a mobilidade urbana e as questões econômicas.
Deveríamos também incluir nessa agenda as relações comunitárias, e pensar em uma nova lógica de sociedade em que o cuidado pelas crianças não seja responsabilidade exclusiva das mães ou de outras mulheres contratadas de forma precária para assumirem esta função.