Levou um tempo para eu descobrir que eu tinha uma homofobia internalizada que me impedia de sonhar com a maternidade. Passei anos dizendo que não queria. Era um assunto que ia e voltava no meu relacionamento, porque minha companheira, Vivian, sonhava com isso desde muito nova. Depois que casamos, passamos a falar mais sobre o assunto. Entendi que minha falta de desejo, era, na verdade, uma negação. Socialmente não é esperado que duas mulheres tenham filhos. Até que a vontade cresceu e ficou maior do que qualquer possível preconceito.
A gente fez planos para que eu engravidasse. A Vivian doaria os óvulos e a gente usaria um doador (de sêmen) anônimo. No meio do caminho descobri uma endometriose, algo que, no meu caso, dificultaria muito a gravidez. Então, decidimos que ela que tentaria usando os próprios óvulos.
No dia de fazer o exame para ver se a fertilização in vitro deu certo, viajamos para uma cidade próxima. A Vivian vomitou o caminho inteiro. Ela achava que era um mal-estar por algo que tinha comido. Eu só conseguia pensar: deu certo, você tá grávida.
Foi uma surpresa quando a gente viu dois embriões no ultrassom. A Vivian pediu para o médico conferir umas vinte vezes se não havia três crianças. Ela fez essa mesma pergunta na hora do parto. A gente ri até hoje disso.
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Antes dos meninos nascerem, descobri que eu poderia fazer uma indução de lactação e amamentar. Era um sonho, a gente ficou muito feliz. Mas aí veio o baque. Quando fui pedir a licença-maternidade no meu emprego, me disseram que eu não teria direito, porque não engravidei. Como solução, me sugeriram tirar férias. Foi desesperador. Estavam me tirando da posição de mãe.
Decidimos partir para a briga. Contratamos uma advogada e fomos pra Justiça. Nos falaram que havia a possibilidade de simular uma adoção para conseguir a licença, mas eu não adotei meus filhos. Queríamos o que era justo, o nosso direito. Mantivemos nossa decisão e conseguimos judicialmente. Deu certo, ganhamos! Foi nosso primeiro teste de força.
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Ainda passamos por desafios diários até hoje. A homofobia está enraizada e é cruel. As perguntas sobre ‘quem é a mãe de verdade’ são incansáveis e dolorosas. Nós duas somos mães. Mas costumo dizer que a licença-maternidade foi o gostinho do que estava por vir. É aquela frase célebre: a maternidade prepara a gente para tudo. E foi também por meio dela que eu percebi que a nossa luta é ainda maior.
Esse depoimento foi concedido anonimamente à repórter Natália Sousa. Acompanhe nas nossas redes sociais mais sobre o assunto.
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