Estamos sufocando! Há anos, os povos indígenas alertam para as consequências do desmatamento desenfreado dos nossos biomas e recursos naturais. Hoje, infelizmente, os alertas estão se tornando realidade. Tivemos ondas de calor severas em pleno inverno, as queimadas ganharam proporções tão grandes que sequer foi possível enxergar o azul do céu, tomado por uma densa fumaça que chegou no continente africano.
Falar de mudanças climáticas, causadas pelo capitalismo e seus modos de produção predatórios, é falar de terras indígenas. Esses territórios são uma das principais barreiras contra o colapso ambiental e, por conta disso, são uma das mais afetadas. Mas deveriam ser protegidas, não só por nós, indígenas, mas por todos os setores da sociedade.
Os povos indígenas são os melhores guardiões das florestas na América Latina e Caribe, segundo relatório da ONU. E de fato são. As terras indígenas no Brasil possuem as áreas mais conservadas do país, além de possuírem as menores taxas de desmatamento. Foi dentro desses espaços que também retornaram espécies ameaçadas de extinção, como o caso das ariranhas do Rio Içana, no Amazonas, e do mutum-pinima, uma das aves mais ameaçadas, avistada na Terra Indígena Mãe Maria, no Pará. Onde tem terras indígenas a biodiversidade está protegida e garantida.
Por outro lado, o cenário das terras indígenas se torna preocupante, pois os territórios concentram metade das áreas atingidas pelas queimadas nos últimos meses, com mais de 3,8 milhões de hectares destruídos. E, apesar de não estarem entre os causadores – é importante ressaltar que se tratam de queimadas criminosas –, os indígenas e os quilombolas compõem mais da metade dos brigadistas que estão atuando no combate aos incêndios, segundo o presidente do Ibama.
As queimadas provocam uma destruição que vai muito além do que os olhos possam enxergar. As populações indígenas são atingidas pelo racismo ambiental, uma vez que é da terra onde vivem que tiram o que comer e beber. E o território é também uma extensão de nosso corpo e nosso espírito, com o qual possuímos profundas relações físicas e espirituais.
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Quanto Pindorama sangrará em nome do projeto colonial?
As investidas do agronegócio contra os direitos dos povos indígenas seguem em curso, e a nova jogada da vez são as “audiências de conciliação” sobre a Lei do Marco Temporal no STF (Supremo Tribunal Federal). Há um mês a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), deixou a mesa de “conciliação” por entender que os povos originários não irão negociar seus direitos. Percebemos que o objetivo é legitimar o roubo de terras públicas, pisar na Constituição Federal e no direito originário dos povos sobre os territórios que tradicionalmente ocupam.
É ingenuidade crer que somos livres e independentes (enquanto povo) ao passo que somos reféns de latifundiários que enxergam o país como um grande pasto ou como uma enorme plantação de soja.
Não deixamos de ser colônia, continuamos tendo nossos recursos destruídos ou saqueados. Nosso povo é explorado para que nossas riquezas, suor e sangue sejam exportados para a Europa e encham o bolso de algumas poucas famílias. Todas as mazelas sociais e ambientais que vivenciamos foram iniciadas desde a invasão de Pindorama, não é algo da contemporaneidade, por mais que possa parecer.
O Brasil é um projeto colonial e seguirá sendo.
Não poderia ser diferente, as populações indígenas estão na linha de frente das mobilizações contra as queimadas e pelo clima. São povos da terra que dão a vida, em muitos casos literalmente, pela proteção dessa, que carinhosamente chamamos de mãe – a nossa mãe Terra, substantivo feminino. Compreendemos que ela é um ser vivo e digna de proteção e direitos.
A luta pela Terra é a mãe de todas as lutas; dela viemos e à ela iremos retornar um dia.