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mulher indigena com colares e arco na cabeça, cabelos pretos lisos e longos
18 de junho de 2024

Os indígenas nordestinos e o bioma que ninguém vê

Pela inclusão da Caatinga nos debates climáticos e pela visibilidade dos povos indígenas do Nordeste

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mulheres indígenas e elementos da natureza
Arte de Kath Xapi com fotos de Evani Tuxá e Lucélia Pankará

A fração de território a qual conhecemos por região Nordeste foi a primeira a ser invadida pelos europeus. Os vários povos indígenas da região foram os primeiros a lidar com a invasão e todas as mazelas que ela trouxe: as doenças, as violências físicas, sexuais e psicológicas, a fome, as perseguições, a morte. Porém, quando se fala de povos indígenas na contemporaneidade, os indígenas da região Nordeste são esquecidos. Para falar a verdade, existe uma forte invisibilização do indígena nordestino e da Caatinga (e suas áreas de transição) nas pautas ambientais e dos direitos indígenas. 

Mas, por que isso acontece? É sabido que o Nordeste, de uma forma geral, é alvo de xenofobia. Quando atrelado à pessoa indígena, isso fica ainda mais evidente. O indígena nordestino muitas  vezes foge de um padrão (estereotipado) do que as pessoas esperam que seja uma pessoa indígena. 

O indígena nordestino é diverso, tem cabelo cacheado, crespo, e pele que vai da mais clara à mais escura. Nem sempre usa adornos ou longas penas de arara coloridas. Alguns usam cocar e adornos de palha de pindoba, ouricuri, carnaúba e colar de sementes nativas, mas nem sempre usam miçangas. 

Por serem povos de primeiro contato, muitos têm o português como primeira língua e até mesmo perderam parte de sua língua originária. Diante de uma sociedade onde as minorias estão sendo cada vez mais mercantilizadas, esse outro lado da pessoa indígena não vende nem gera buzz (assunto), logo não tem comoção. E quem não é visto, não é lembrado.

A quem interessa negar a Caatinga?

O mesmo vale para a Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, e que, segundo estudo da revista Nature, possui apenas 11% da sua cobertura original. Esse também não gera comoção diante do desastre climático. Existe uma forte negligência, tanto estatal quanto de ambientalistas, a respeito do desmatamento e processo de desertificação da Caatinga. E isso vem ocorrendo seja pela pecuária – que vem desde os primeiros invasores, não é um problema novo nem contemporâneo – até as “energias renováveis”. 

Dinamites são constantemente acionadas nas serras catingueiras para a instalação de complexos eólicos e placas solares. O Seridó e o Sertão também são vítimas, inclusive da mineração. E muita gente não sabe disso.

Assim como existe uma ideia errônea de que os indígenas vivem isolados na Amazônia, há também a construção de um falso imaginário de que a Caatinga é um lugar morto e sem vida, ou que, no máximo, é lar de alguns calangos, preás e tatus peba que correm entre os cactos. Existe também, mas não se resume a isso. Aliás, a quem serve reproduzir essa ideia de que não existem mais indígenas no Nordeste e de que a Caatinga é um local morto? 

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Apesar de tudo, existe luta na Caatinga pela preservação da sua fauna e flora, que é imensa, bem como pela preservação de locais sagrados para os povos indígenas da região. Luta travada por inúmeras filhas e filhos desse solo. Como diz Yasmin Formiga, ativista ambiental paraibana: “as populações catingueiras sempre tiveram que buscar por conta própria o seu jeito de lidar com essas consequências climáticas, sempre tiveram que unir forças coletivas aqui e ali para tomar iniciativas com a finalidade de serem atendidas pelo governo”. 

Além de Yasmin, há muitas outras lutando contra o avanço desenfreado das renováveis em solo catingueiro, contra os projetos nucleares e pela preservação dos territórios indígenas da região. Para citar algumas: Lúcia Tapuia Paiacu, liderança indígena e fundadora do primeiro museu indígena do Rio Grande do Norte; Ceiça Pitaguary; as cacicas Lucélia Pankará e Evani Tuxá; e o coletivo Seridó Vivo

Território, luta e pertencimento étnico nos define

Não há vida indígena sem o território. Ambas as lutas estão intimamente interligadas e a invisibilidade de uma pauta, consequentemente, gera a invisibilidade do todo. Não é possível adiar o fim do mundo sem pautar a preservação da Caatinga e de todos os 6 biomas brasileiros. Um depende do outro para continuar (re)existindo. 

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Também não é possível pautarmos diversidade e pluralidade exigindo pureza de pessoas indígenas. Além de ser um pensamento eugenista, ignora que o que nos define enquanto indígenas é o nosso pertencimento étnico. Somos indígenas porque temos um povo e somos reconhecidos por ele. Nossos traços físicos, o local onde estamos inseridos, se usamos tecnologias, calça jeans e falamos português… nada disso vai mudar a nossa identidade.

Queremos a inclusão da Caatinga e seus múltiplos povos nos debates climáticos, nos fundos de preservação ambiental, nas conferências nacionais e internacionais. O respeito aos povos indígenas catingueiros e a demarcação de seus territórios. E que os indígenas nordestinos tenham a mesma voz e visibilidade que os de outras regiões. O futuro é verde, mas também é acinzentado e esbranquiçado como a Caatinga, que não significa que está morta e seca, e sim, sendo diversa como seus filhos.

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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