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mulher indigena com colares e arco na cabeça, cabelos pretos lisos e longos
1 de abril de 2024

Os 20 anos do Acampamento Terra Livre marcam os 524 anos de resistência indígena 

Todas as nossas conquistas na defesa de direitos surgiram do chão da luta e da coragem dos que vieram antes de nós 

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Indígenas atl
Arte: Kath Xapi

O Acampamento Terra Livre, mais conhecido como ATL, é a maior assembleia indígena do Brasil e do mundo. Neste ano, ela completa 20 anos de história, luta e resistência no país. E leva como tema “Nosso marco é ancestral, sempre estivemos aqui”, que faz referência a luta dos povos indígenas contra a tese do Marco Temporal – rejeitada pelo STF, mas aprovada pelo Congresso com o PL 2903/23. Agora, o movimento indígena precisa travar outra luta para que o projeto de lei seja declarado inconstitucional na Suprema Corte. 

Leia mais: As ameaças do PL 2903 aos indígenas e toda a sociedade

Mas você sabe quando e como surgiu o ATL?

Foto tirada por Isabella kariri de Juliana, mulher indigena no atl
Foto de Juliana Lourenço por Isabella kariri em ATL. Arte: Kath Xapi

Tudo começou lá em 2004, quando lideranças indígenas da região Sul do Brasil marcharam rumo à Brasília e ocuparam a frente da Esplanada dos Ministérios. Elas fizeram uma série de protestos contra a política indigenista da época. Também buscavam diálogo com o então recém-eleito governo Lula, que trazia em seu projeto eleitoral uma Nova Política Indigenista

Essa ocupação, acabou não se limitando ao verde do gramado da Esplanada, mas atravessou também o salão verde do Congresso Nacional. Ganhou adesão de outras lideranças indígenas, sobretudo das áreas de abrangência da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), tornando-se um marco histórico na mobilização indígena nacional.

A partir daí, o movimento indígena ganhou força para seguir em frente, percurso que já vinha sendo pavimentado por diversas lideranças históricas como Raoni Metuktire, Xikão Xukuru, Maninha Xukuru-Kariri, Ailton Krenak, Tuíre Kayapó, Marcos Terena, Rosane Kaingang, Mário Juruna, Álvaro Tukano entre outros, desde a Assembleia Constituinte de 1988 e dos anos seguintes. Tuíre colocou o facão no rosto do diretor da Eletronorte em 1989, aos 19 anos, e Maninha ajudou a fundar a Apoinme no início da década de 90, sendo a única mulher em meio às lideranças masculinas. Em 2005, foi formalizada a criação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a partir do ATL daquele ano. 

Durante esses 20 anos tivemos muitas conquistas, como a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai); a Política de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas; o Conselho Nacional da Política Indigenista; a retomada da Funai, que deixa de ser a Fundação Nacional do Índio, e passa a ser Fundação Nacional dos Povos Indígenas; e a criação do Ministério dos Povos Indígenas. Todas geradas e nascidas através do chão da luta. 

A expectativa é que o ATL 2024 seja a maior mobilização indígena em números e representatividade de povos. Em 2021, o Acampamento Luta Pela Vida levou cerca de 6 mil indígenas à Brasília contra o Marco Temporal, mesmo em plena pandemia. Além de ser um espaço de luta, com plenárias sobre diversos temas, atos e marchas. Também é um ambiente de intercâmbio cultural, mostrando a diversidade dos mais de 300 povos indígenas do Brasil. 

A cada ano, o ATL busca contemplar as diversas realidades indígenas, como, por exemplo, a plenária dos indígenas LGBT, inédita na edição de 2022, e que novamente ganhou espaço na edição 2023. O acampamento traz o conhecimento das medicinas tradicionais dos territórios para a tenda da saúde no coração do Planalto Central, fortalecendo o corpo e o espírito. 

Cadê as demarcações?

Apesar dos avanços e lutas, muitas demandas ainda seguem sendo as mesmas de mais de vinte anos atrás. Até hoje precisamos brigar pela demarcação das terras indígenas, pela desintrusão dos territórios e pelo fim dos conflitos e violência dentro das comunidades indígenas. 

Mesmo sendo promessa de início de mandato, o presidente Lula ainda não assinou a demarcação de todas as 13 Terras Indígenas que havia prometido. Apenas 8 foram assinadas. Mas nenhuma delas possui  impasse jurídico, só precisa, literalmente, de uma canetada. E ainda há cerca de mil na fila para terem seu processo de demarcação e homologação finalizado

O bolsonarismo foi vencido apenas nas urnas, mas ainda há muito o que se lutar, e caminhar. Ser indígena é estar sempre atenta e vigilante, pois os nossos poucos direitos conquistados com muito suor, sangue e coragem dos mais velhos, são sempre os primeiros a serem rifados. Os primeiros a serem atacados e questionados. Afinal, quem nunca ouviu dizer que “é muita terra para pouco ‘índio’”? 

O Marco Temporal é a prova viva de que temos centenas de neocolonizadores do século XXI famintos por nossa ruína. Mas como bem diz o líder indígena Ailton Krenak, “não é a primeira vez que profetizam nosso fim; enterramos todos os profetas”.

Veja mais: Marco temporal afeta lutas de mulheres indígenas

O mês de abril, marcado pelos 524 anos da invasão de Pindorama, também é marcado por mais um mês de luta dos povos indígenas. É quando lutamos ainda mais pela garantia do nosso direito originário e inalienável, mas também celebramos nossas culturas, diversidade, bem-viver e os ensinamentos ancestrais. Somos também os ancestrais das próximas gerações, temos um compromisso não só com futuro do planeta, mas de toda a humanidade. O futuro é, de fato, ancestral!

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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