Existe algo de muito bonito e diferenciado no jeito de cantar e fazer música da Liniker. E isso foi definitivamente consolidado no seu último álbum, lançado em agosto, chamado “Caju”. Com 14 faixas intensas e sensíveis, Liniker emplacou 13 músicas no Top 100 das músicas mais tocadas do Brasil. Em menos de 24 horas ela teve mais de 6 milhões de plays em seu álbum na plataforma de áudio Spotify. A cantora, compositora e atriz, nascida em Araraquara, mostrou ao Brasil o que é possível para uma voz travesti e negra.
Entre agudos, melismas e graves, Liniker nos presenteia com composições que nos convidam a fechar os olhos e sentir como é fazer um escarcéu com um sorriso. Tudo isso acompanhado de instrumentos de sopro que retomam um lugar quase que apaixonado, nos ajudando a salvar nossos domingos dos ruídos cotidianos da vida.
Sobre o direito de erguer a voz
O álbum da Liniker, entre samba, música popular brasileira e pop, nos lembra a obra “Erguer a Voz”, da escritora bell hooks, mas é preciso ouvidos e olhares atentos para encontrar essas similaridades. Talvez seja a coragem de dizer, de abrir a boca para além de cantar. Penso que Caju é um trabalho que fala muito além dos números, mas sem ignorar que eles refletem um álbum desenvolvido pela cantora com seriedade, harmonia e afeto.
Liniker não se tornou em vão a primeira artista transgênero a vencer o Grammy Latino ,na categoria de Melhor Álbum de Música Popular Brasileira. Suas músicas são para serem ouvidas por pessoas que se permitem o demorar das melodias. São para quem se deixa levar pelas palavras saídas da boca de alguém que vem costurando e construindo histórias em suas composições e no modo de ser compositora. Comer letras e entregar obras de artes cantadas.
No álbum “Caju”, a cantora nos mostra que está segura de si e cria uma sensação de conforto e responsabilidade para quem escuta. Para compreender melhor o que estou dizendo, é só dar play em “Papo de Edredom”. É quase como uma conversa ou um beijo, mas que não permite pausa e nos devora calmamente. É um convite para mergulhar em si, para o espelho interior das “Negonas dos Olhos Terríveis” como é cantado por Liniker.
Os dias são menos amargos – una pasión
Com colaborações como Lulu Santos, Priscila Sena, BaianaSystem, Pabllo Vittar, Amaro, o sabor da percussão nos toma por completo e nos deixa com vontade de ouvir durante horas. Entre dona Maria e Cinderela, os ouvidos viram aquarelas.
Ao ouvir a música “Popstar” nos aproximamos do pote de ouro de uma das maiores vozes da atualidade do nosso país. Se na música Liniker ressalta que onde bota a mão as coisas brilham, imagine o que tem ocorrido quando ela empresta a sua voz?
Sem dúvidas, é preciso dizer que os dias são menos amargos ouvindo Caju. Fico pensando na junção quase que perfeita com a carne de caju de Alceu Valença cantando “Morena Tropicana”. Um sonho!
Poderíamos nos perguntar: o que tem acontecido quando uma travesti negra se torna uma das cantoras mais ouvidas do país? Talvez, já saibamos a resposta: as pessoas se apaixonam.
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Shows pelo Brasil
Liniker ainda não deu início a sua turnê, mas já é um sucesso de bilheteria. A cantora esgotou os ingressos do seu show no Vivo Rio, na cidade do Rio de Janeiro, em menos de 20 minutos. O sucesso de vendas fez com que a cantora marcasse uma data extra de apresentação para conseguir atender a demanda do público carioca. Os três shows que a cantora fará em São Paulo, no Espaço Unimed, também já estão esgotados. Nós podemos dizer sem medo algum: ela está brilhando com gosto de caju docinho!
Na entrevista para a revista Marie Claire, em outubro, a artista disparou: “Nunca estive tão segura, não preciso mais abaixar a cabeça. Onde não couber, vou sair”. Com isso, ela nos lembra que vivemos um momento onde muitas travestis negras estão aprendendo a não baixar a cabeça e se olharem com mais afeto. Caju, segundo a própria Liniker, é sobre isso: sem medo, ser você mesma!