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9 de maio de 2019

Sofri violência obstétrica e meu filho quase morreu

Na semana em que o Ministério da Saúde divulgou plano para abolir das políticas públicas o termo "violência obstétrica”, Ligia relata a experiência que viveu e deixou seu filho por um mês na UTI

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Ligia Nicácio, 32, em depoimento a Luisa Toller

“Minha primeira gravidez foi super tranquila e saudável, por isso eu e Felipe planejamos ter o Benedito em um parto domiciliar. No dia do trabalho de parto estávamos eu, ele, uma obstetriz, duas doulas, minha mãe e uma amiga tirando fotos.

Ficamos em casa durante 12 horas, mas apesar da dilatação o Benedito não estava conseguindo descer pelo canal. Desconfiando que ele poderia ficar cansado e precisaríamos de ajuda, a obstetriz sugeriu que seria melhor seguirmos o “plano B” indo para um hospital.

Sem titubear levantei, tomei banho e saímos a caminho do Hospital de Cotia. Nós já tínhamos ido visitar para ficarmos tranquilos com esse “plano B” e nesta primeira visita fomos recebidos por uma enfermeira obstetra que achou ótimo tentarmos em casa e termos o hospital como segunda opção.

Voltando ao dia do trabalho de parto, chegamos ao hospital às 10h da manhã e quando fui ser atendida, a obstetra de plantão era uma pessoa totalmente contra o parto domiciliar. Quando eu falei: “Vim transferida de 12 horas de trabalho de parto e talvez precise de uma cesárea”, ela respondeu: “Quem decide isso sou eu, agora que você chegou no hospital vai passar por todos os procedimentos médicos e depois não vai me processar por violência obstétrica, tá bom querida?”.

Ali eu já vi que iria começar um inferno.

A primeira coisa que ela fez foi me mandar deitar de forma muito grosseira e, com uma agulha enorme, sem nenhuma delicadeza, estourou minha bolsa, me mandou colocar uma fralda e ir para o centro obstétrico. Comentei de novo que talvez fosse necessário uma cesárea e ela voltou a repetir que quem sabia isso era ela.

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No quarto, só podia entrar um acompanhante e eu já tinha combinado com o Felipe que seria a doula, caso precisasse de alguma terapia, massagem, e ele iria para ver o bebê nascer. A médica disse que achava minha escolha ruim.

De hora em hora, vinha exame de toque, mas o trabalho de parto foi regredindo, porque no contexto de hospital com toda a tensão e medo, fui perdendo a vontade de estar ali e torcia “pelo amor de Deus” pro meu filho nascer logo.

Uma hora o Felipe entrou na sala para saber se estava tudo bem (já que estava demorando muito e ele não tinha notícias) e ela chegou e fez um escândalo, começou a gritar no corredor e mandou chamar a psicóloga do hospital para conversar com o meu marido. Foi constrangedor.

Eu chorava muito.

Depois disso, eu vi que estava saindo mecônio – primeiras fezes do bebê, que quando são espessas podem indicar que o feto está mal oxigenado, em situação de estresse, contraindo os intestinos e relaxando os esfíncteres. Era um líquido escuro, mas quando chamava a equipe ninguém fazia nada. Parecia que ela queria me ver sofrer mesmo.

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Quando às 22h mudou o plantão chegou um novo médico, me olhou e perguntou: “O que você está fazendo aqui até agora? Com esse partograma (que mostra a evolução do parto) era pra você ter feito uma cesárea às 14h da tarde. Se prepara aí, tira o brinco que a gente vai pra cesárea.” Então teve que trocar o plantão para fazer a cesárea que a gente já sabia que era necessária 12 horas antes.

Quando Benedito nasceu, tinha aspirado o mecônio, foi pra a UTI neonatal com pneumonite (síndrome de aspiração meconial), e lá ficou por um mês. Para completar, a médica espalhou para os funcionários do hospital que isso aconteceu porque eu cheguei me recusando a fazer uma cesárea, sendo que o tempo inteiro eu pedi por ela. No pós-parto tivemos que explicar a versão verdadeira para as médicas da UTI neonatal.

Foi bem terrível. Tanto que eu entrei em depressão pós-parto, por uma coisa que poderia ter sido evitada!

Mas, uma coisa boa é que como teve lesão de menor, no caso o meu filho, o Ministério Público foi obrigado a agir imediatamente. Desde então, as doulas passaram a ser permitidas e foram colados cartazes sobre Violência Obstétrica pelo hospital, explicando a quem recorrer caso aconteça. Mesmo assim, entramos com um processo contra o hospital e a ação ainda está correndo.

No fim, depois de sofrer tudo que sofremos, poder pelo menos processar o hospital já é uma vitória. E agora a gente corre o risco de perder esse direito de novo. Quando se fala em vetar o uso do termo “violência obstétrica” pelo Ministério da Saúde, a gente está deixando de olhar para essas crianças que nascem e as para as consequências que essa violência traz para a mãe e o bebê. A violência obstétrica é real”.

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* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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