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mulher indigena com colares e arco na cabeça, cabelos pretos lisos e longos
20 de janeiro de 2025

Qual a consciência indígena que queremos?

Valorização, reconhecimento e políticas públicas específicas são essenciais para que povos indígenas tenham vida com dignidade 

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Colagem digital mostra três rostos indígenas, uma anciã, uma mulher adulta e uma jovem, todas parecem pensativas remetendo à reflexão sobre a consciência indígena

O Dia da Consciência Indígena foi oficialmente instituído em 2013, durante uma mobilização dos indígenas da Aldeia Maraká’nà no Rio de Janeiro. A data nos traz o lembrete de que ainda temos um longo caminho a percorrer para alcançarmos o bem viver. 

O dia 20 de janeiro foi escolhido porque marca a data da morte de Aimberê Tupinambá, liderança da Confederação dos Tamoios. Era uma união de diferentes povos indígenas (Tupinambás, Aymorés, Goytacás, Guaianás) contra a colonização europeia e a escravidão. Aimberê foi tombado na Batalha de Uruçumirim, região da Baía de Guanabara em 1567. De lá pra cá, pouca coisa mudou. Iniciamos 2025 com intensos ataques ao povo Avá-Guarani, no Oeste do Paraná, incluindo mulheres e crianças.

Não há consciência sem direito à dignidade

O alcance de uma consciência indígena exige que os povos tenham direito à dignidade. Quando se fala que pouca coisa mudou em mais de 500 anos, não é exagero ou hipérbole. O povo Avá-Guarani sequer teve direito ao descanso e aos festejos da chegada de um novo ano. Na verdade, parece que 2024 nem terminou. 

Enquanto os povos indígenas forem vistos como um inimigo a ser combatido, e esse pensamento for introjetado na opinião pública, não teremos consciência indígena em sua plenitude. Temos aliados? Sim, mas o cenário permanece o mesmo. Vemos indígenas sendo jogados à margem da sociedade sem dó nem piedade, vítimas de inúmeras violações de direitos humanos. 

Os Guarani Kaiowá de Dourados (MS) foram atacados, no final de 2024, por se mobilizarem contra a falta de água que atingiu a comunidade durante semanas. O indígena recebe tiros até se quiser matar a sede, no país com as maiores fontes e reservas de água doce do mundo. 

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Vítimas esquecidas da ditadura militar

Ao se falar de violações de direitos humanos, tenho de mencionar os mais de 8,3 mil indígenas mortos durante a ditadura militar, segundo  a Comissão Nacional da Verdade e o Relatório Figueiredo. Esse número pode ser ainda maior, pois foram analisados apenas dez povos. 

Indígenas e indigenistas lutam para que seja instaurada a Comissão Nacional Indígena da Verdade, pelo direito à memória e reparação coletiva. Os Krenak e Guarani-Kaiowá foram os primeiros a receberem oficialmente um pedido de desculpas do Estado brasileiro. Os documentários Resplendor, Reformatório Krenak e GRIN – Guarda Rural Indígena narram um pouco desse período e as consequências que ecoam até hoje. 

É urgente a necessidade de irmos além de datas no calendário, frases de efeito e postagens bonitinhas nas redes sociais. As necessidades seguem sendo as mesmas desejadas pelos nossos mais velhos. Precisamos do direito ao território, o respeito às práticas culturais e espirituais, autonomia, saúde e educação respeitando as especificidades de cada etnia. 

A Consciência Indígena perpassa pela valorização e reconhecimento da imensurável contribuição dos povos originários ao país e ao que se conhece por “identidade brasileira”. A lei 11.645/2008 torna obrigatório o ensino da história e cultura indígena e afro-brasileira, mas poucas são as instituições de ensino que a seguem sem superficialidade. Nesse cenário, é difícil combater o racismo e o preconceito. 

Mulheres indígenas não são alcançadas por políticas

A consciência também segue pela saúde e segurança das mulheres e meninas indígenas, que vivem em extrema vulnerabilidade. Elas estão no topo dos rankings de mortalidade materna, mortalidade em decorrência de abortos, estupros, e feminicídios, esse último com um aumento assustador de 500% nos últimos dez anos. As poucas políticas públicas de gênero no Brasil alcançam essas mulheres?

A população indígena também lideram os números de suicídio e de suicídio infantil. As condições de vida às quais são jogados, somados ao racismo e à falta de perspectiva, de oportunidades e de território, fazem até mesmo crianças e adolescentes tirarem a própria vida. Qual projeção de futuro a sociedade tem se falha na proteção daqueles que seriam o amanhã?

Como vemos, estamos longe de qualquer tipo de celebração, o Estado brasileiro segue negligente, mesmo com avanços na demarcação de terras indígenas nos últimos dois anos. Ainda é pouco, a vida não espera, a dignidade que os povos indígenas merecem não deve ser proposta a longo prazo. 

Uma vida para ser vivida, e não queremos mera sobrevivência. Em honra à memória de nossos ancestrais, que bravamente lutaram em defesa das terras sagradas e dos nossos modos de vida, essa é a Consciência Indígena que queremos. 

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* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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