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Nana Queiroz
10 de abril de 2017

Por que o novo ensaio da Gucci com felinos é uma afronta

Quem folheou revistas femininas neste mês, deu de cara com um leão mordendo uma bolsa da Gucci e um tigre nadando numa fonte artificial cheia de cloro

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Nana Queiroz, diretora de redação da revista AzMina, escreve mensalmente a coluna “Observatório da imprensa feminina”, em que ela critica, elogia e questiona o jeito de fazer jornalismo para mulheres no Brasil.

Quem folheou revistas femininas neste mês e deu uma espiadinha nos ensaios de moda publicitários, deu de cara com um leão mordendo uma bolsa da Gucci e um tigre nadando numa fonte artificial cheia de cloro. Cruzes! Não sei vocês, mas eu adoro moda, acho que é uma arte, importante forma de expressão pessoal e transgressão social e odeio quando algumas marcas tentam embalar tudo num pacote de alienação, consumismo e desrespeito com o meio ambiente.

A gente aqui n’AzMina até chegou a se questionar se os animais não foram inseridos depois no Photoshop – e pra fazer crítica bem feitinha, fomos lá perguntar pra Gucci italiana, a matriz, como foi feito e o que raios eles queriam com este ensaio. A resposta deles veio oficialmente e por escrito, dizendo o seguinte:

“Estamos ansiosos para esclarecer que a campanha celebra o surreal. Evoca um mundo de fantasia em que os felinos selvagens vagam livremente pela cidade ao lado dos seres humanos e são recebidos em suas casas. Nunca tivemos a intenção de ser ofensivos e desrespeitosos com a natureza selvagem desses animais. Pelo contrário, queríamos prestar homenagem à sua beleza com nossos produtos, já que gatos selvagens são, entre outros, símbolos célebres de nossa casa de moda. Nós nos certificamos de que todos os gatos selvagens que figuram na campanha vieram de centros autorizados. Um veterinário estava presente no set para cuidar do seu bem-estar e para garantir que eles fossem bem cuidados em todos os momentos.” Acrescentaram que doam recursos para “caridades de preservação a grandes felinos”.

“Ah, Nana, puxa vida, os bichinhos estavam bem cuidados, vai, para de ser chata! Era só uma homenagem!”. E eu, que sou mera jornalista, não vou argumentar nada não, trouxe foi os especialistas pra falar – que ouvir quem sabe das coisas é o que jornalista faz de melhor. E eles explicam porque isso tudo não tem absolutamente nada de homenageador.

Consultei um casal de biólogos que dedica suas vidas aos animais – romântica que sou, adoro essas pessoas unidas por paixões comuns! Ela, Bruna Oliveira, é bióloga do projeto de conservação de animais silvestres Tatu Canastra. Ele, Fábio Gois, ensina o amor à natureza para crianças em escolas e já chegou a ir até a Antártica pesquisar os efeitos do buraco na camada de ozônio na fauna local.

O ponto mais original e interessante que eles apresentaram, na realidade, nem foi com relação às condições dos bichos em set – a Bruna até acredita que é bem possível que eles tenham mesmo sido bem tratados – mas ao tipo de deseducação ambiental que este tipo de ensaio propaga.

“O ensaio prega um fetichismo com bichos selvagens, naturalizando, por exemplo, abraçar um tigre. Isso estimula algumas pessoas a quererem ter tigres em casa”, opina.

E para quem acha que a Bruna foi longe demais na comparação, basta lembrar do Lóris, um primata muito tchuco de olhos enormes e irresistíveis que sempre está estrelando vídeos do Youtube. Graças a isso, a fofura está quase em extinção. “Esses vídeos estimulam as pessoas a quererem fazer igual e dão a falsa impressão de que é normal um Lóris viver em casa. Por isso, elas os tiram da natureza para tê-los como bichos de estimação, alimentando o tráfico”, explica ela.

Pobre Lóris, fofo demais pra um mundo de fetichização e consumismo…. Foto: Greensavers

Ainda não acredita que as pessoas possam ter a brilhante ideia de criar grandes felinos em casa? Deixa eu te contar deste bilionário de Dubai, só a título de “sim, miga, isso existe”…

E o Fábio acrescenta um ponto de vista muito interessante: “O ensaio traz a ideia bastante arcaica de que esses animais podem ser adereços de luxo. Essa ideia é contrária à que se tenta difundir atualmente, de que devemos evitar ao máximo qualquer tipo de contato.”

Sim, eles esclarecem que há animais que precisam viver em cativeiro por inúmeras razões – cresceram fora da natureza, ou têm algumas lesões permanentes ou defeitos de nascença, por exemplo, com os quais não sobreviveriam no habitat natural – mas, mesmo nesses casos, há uma série de regras que devem ser seguidas para que esses bichos tenham uma vida saudável e digna – e não, isso não inclui visitas à sala da casa da modelo da Gucci.

“As correntes mais atuais de conservação de animais silvestres, principalmente mamíferos, têm buscado conscientizar as pessoas sobre a importância de se respeitar não só o animal em si como o ambiente em que ele habita”, afirma Fábio. “Há o consenso de que, para esses animais, não basta estarem bem alimentados e sem doenças, por exemplo. Eles também precisam dispor de espaço adequado pra realizar suas atividades de caça, reprodução, cuidado com a prole e etc.”

E, gente, animal selvagem é selvagem, né? Não dá pra prever que tipo de atitude ele vai ter diante de pessoas estranhas, em um ambiente tenso de set de fotografia, cheio de profissionais extravagantes pra lá e pra cá. Até pras modelos não foi legal esse contato, não! Puxem na memória a história da onça Juma que, depois de ser exibida acorrentada em uma cerimônia com a tocha olímpica em Manaus, estressou-se, ameaçou atacar um militar e foi morta a tiros.

Quando esse bicho humano, que se diz racional, vai aprender a lição?

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* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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