Depois que mais de uma mulher foi pintada de louca e histérica na imprensa e nas redes sociais durante a crise política, começou uma enxurrada de memes com termos em inglês pra explicar o acontecido: gaslighting, mansplaining, bropriating, manterrupting… – e por aí vai. O esforço em tipificar comportamentos agressivos às mulheres é louvável, mas existem alguns componentes nesse gesto que me incomodam muito.
E a razão é, principalmente, que esse termos excluem e tornam o feminismo de internet um movimento de mulheres de elite que sabem ler (ou ao menos não estranhar) o inglês.
O grande avanço da internet foi, justamente, popularizar o feminismo, democratizar a troca de ideias. Mas existe uma reação negativa tomando força, a de limitar quem pode participar da discussão trazendo termos estrangeiros para o debate ou criando gírias que só quem já é iniciada na militância conhece.
— Ah, não acredito que você não sabe o que é uzomismo, precisa aprender!
As gírias de “gueto feminista” me irritam tanto quanto os termos em inglês. Elas tendem a criar um clubinho de mulheres “iluminadas” que têm a posição privilegiada de “iluminar às demais”. Uma posição extremamente paternalista e que beira o discurso missionário da religião extremista.
Sempre que usamos um termo desses estamos colocando à frente de nossa vontade de incluir todas as mulheres na luta o nosso desejo de nos sentirmos especiais por já fazermos parte da gangue.
E é isso mesmo que a gente quer?
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Eu sou um perfeito exemplo de como essa abordagem poderia ser fracassada em uma mulher com extrema necessidade do feminismo. O movimento pela equidade de gêneros salvou minha vida em mais maneiras do que posso elencar, mas, nascida na periferia e estudando em escolas públicas a maior parte do tempo, eu nunca me senti digna de participar da discussão até que, aos 24 anos, já na universidade, finalmente aprendi inglês e li Michel Foucalt e Simone de Beauvoir.
Não estou dizendo que leituras e novos conceitos não enriqueçam o feminismo, mas nós podemos guardar a complexidade para as ideias e não para a maneira como as expressamos.
Todo mundo que sabe ler inglês ao ponto de entender conceitos complexos como gaslighting sabe o suficiente para traduzir esses termos de forma desejável.
E quando falo em traduzir, não estou apenas me referindo aos nomes, mas ao conteúdo. Por exemplo, o conceito de apropriação cultural – que está sendo abordado nesta semana pela Revista AzMina) – usado nos Estados Unidos, em que pessoas de raças distintas vivem basicamente segregadas umas das outras, não serve ao Brasil miscigenado sem as devidas adaptações. Afinal, se sou branca e minha religião é a umbanda, posso usar turbante e honrar Iemanjá? E se minha mãe é negra e meu pai branco e saí clara de cabelo liso? Os EUA não têm esses dilemas.
Sugiro aqui, sem nenhuma pretensão de encerrar a discussão, apenas de começá-la, algumas traduções para os termos excludentes em voga no momento:
Gaslighting
– Tortura psicológica, manipulação psicológica, assédio psicológico, “pintar de louca” ou “fazer a mina achar que é louca”
Mansplaining
– Homem sendo ególatra ou, simplesmente, sendo condescendente
Bropriating
– Pra quê um nome tão complexo para nada mais simples que “plágio” ou “cara roubando as ideia das mina”?
Manterrupting
– Falta de educação masculina ou “homem interrompendo mulher porque é machista”
Iuzomismo
– O bom e velho “mano drama” ou “vitimismo masculino”
Sororidade
– Irmandade feminina
Tem mais sugestões de termos e traduções? Bota nos comentários! Vamos construir uma discussão mais inclusiva juntas <3
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