Começo a escrever esse texto, que publiquei hoje na newsletter do Elas no Congresso, com um grande suspiro, símbolo da minha falta de palavras para o dia de ontem (24/03/2024), quando foram presos, logo cedo, os acusados de serem mentores intelectuais e mandantes do assassinato de Marielle Franco, então vereadora do PSOL no Rio de Janeiro. São os irmãos Chiquinho Brazão (UNIÃO-RJ) e Domingos Brazão, conselheiro do TCE-RJ, e Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio.
O crime brutal aconteceu em 14 de março de 2018. No dia seguinte, AzMina publicou um pequeno editorial com o título “Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”. Foi uma semana depois do #8M em que lançamos a campanha #SejaALíderQueTeRepresenta, incentivando mulheres a se candidatarem a cargos públicos. Aquela execução foi um golpe profundo em cada uma de nós, como mulheres, e em todas nós juntas, enquanto mobilizadoras da participação política feminina.
Esperamos seis anos por essa resposta, e infelizmente, ela não trouxe sensação de alívio, seja porque a brutalidade do fato permanece, seja porque entre os culpados estão policiais que se comprometeram pessoalmente a solucionar o caso.
O motivo do assassinato, segundo a investigação da Polícia Federal, foi a articulação de Marielle Franco em torno de questões fundiárias em territórios de milícia no Rio do Janeiro. A situação piorou após a votação do Projeto de Lei Complementar 174/2016, do então vereador Chiquinho Brazão, para regularizar lotes na Zona Oeste da capital em áreas dominadas por milícias, beneficiando grileiros. Marielle defendia que as áreas deveriam sediar moradias sociais, no lugar de servirem à especulação imobiliária.
O PSOL votou em bloco contra a matéria, aprovada com apenas um voto a mais do que o necessário. E a pergunta que inquieta aqui é: se os seis vereadores do PSOL na ocasião votaram contra, por que só Marielle Franco foi condenada à morte? Do lugar de mulher negra em que vivo os meus dias, é difícil pensar que sua escolha tenha sido um acaso. O atentado seria um sinal aos opositores, mas como diz o próprio acusado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio, disse, era melhor evitar “que não parecesse um crime político”, caso contrário a Polícia Federal entraria em cena.
Em outras palavras, o fato de ela ser uma parlamentar eleita genuinamente como os outros pesou menos na decisão do que ela ser uma mulher negra periférica, de sexualidade divergente, mãe solo, em primeiro mandato. Um grande “Quem se importa? Vão sair umas notinhas de jornal e pronto.” Aproveitaram, espalharam uma boa quantidade de desinformação de gênero, mancharam a imagem da vítima, e foram viver as próprias vidas.
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Mas não foi bem assim. Essas pessoas não pensaram que a nossa crise política, convulsão social, e avanços nos debates sobre gênero e raça tornassem essa mulher uma semente de potencial incontrolável. O caso ganhou o país e o mundo, e todos os esforços do desgoverno passado, todas as articulações impróprias entre entes públicos corruptos, não foram suficientes para sufocar os fatos.
Apesar da satisfação com as novas revelações, e um vislumbre de que haverá responsabilização pelo que aconteceu, resta um lamento aqui dentro: em 14 de março de 2018, quando eu só sonhava em trabalhar n’AzMina, foi decidido que eu nunca poderia discutir um projeto de lei de Marielle Franco no Elas no Congresso, ou entender se ela sofria violência política online no MonitorA, porque naquele dia, alguns homens resolveram que a sua vida não valia nada.
Ao mesmo tempo, agradeço demais a Marielle, de quem soubemos muito mais após a partida, por ter sido leal às suas convicções, e nos dito o tempo todo até onde uma mulher pode chegar na política. Cada projeto d’AzMina nesse campo tem uma semente dela nos dizendo “vai lá”!
Marielle presente, hoje e sempre!