Trago para o site d’AzMina esse texto que publicamos hoje na newsletter Elas no Congresso porque o tema interessa a todas as mulheres. No dia 17/04/2024, um grupo de 38 juristas entregou ao Senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Congresso Nacional, o anteprojeto para revisão e atualização do Código Civil Brasileiro.
O grupo coordenado por Luis Felipe Salomão, Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi criado há 8 meses, e pela primeira vez na história incluiu mulheres. Além da relatora-geral Rosa Maria Nery, participaram as juristas Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues, Angelica Lucia Carlini, Claudia Lima Marques, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Laura Porto, Maria Berenice Dias, Patrícia Carrijo, Paula Andrea Forgioni, Maria Cristina Paiva Santiago, Estela Aranha. Entre o grupo de membros consultores, estão Ana Claudia Scalquette, Fernanda da Silva Rodrigues Fernandes e Layla Abdo Ribeiro de Andrada. Foram 14 ao todo, ou 37% do total.
Tentamos descobrir a representatividade de outros grupos sociais na equipe, como pessoas negras, indígenas, com deficiência e LGBTQIA+, mas identificamos apenas o jurista baiano negro Edivaldo Brito. Ainda assim, acreditamos que a maior participação de mulheres contribuiu para inovações importantes na proposta, como a possibilidade de registro compulsório de paternidade se o suposto pai recusar o exame de DNA. O registro só poderá ser alterado caso o pai prove a ausência do vínculo genético.
Outra alteração relevante foi a retirada dos termos homem e mulher, ou marido e esposa, quando o assunto é casamento. A proposta fala em duas pessoas, ou cônjuges, independentemente da identidade de gênero ou orientação sexual. Para os casos de união estável, foi escolhida a palavra conviventes.
No trecho que trata das novidades no divórcio, o relatório cita até o Soneto de Fidelidade, de Vinícius de Moraes, afirmando que “o amor é infinito enquanto durar”. Se aprovado como está, o artigo 1.582-A permitirá o divórcio ou dissolução da união estável direto no cartório por apenas uma das pessoas. Demandas por pensão alimentícia, partilha de bens ou guarda dos filhos, entre outras, seguem exigindo processo judicial.
Zona cinza
Uma alteração nas normas sucessórias está aquecendo o debate jurídico: o fim da posição de cônjuges como herdeiros necessários. Quando uma pessoa casada ou em união estável morre, os herdeiros necessários são cônjuges/ conviventes e filhos, independentemente do regime de bens do casamento.
Com a nova proposta, só descendentes (filhas e filhos) e ascendentes (mães e pais) seriam herdeiros. Os direitos de viúvos e viúvas seguiriam o regime de bens – comunhão parcial ou total, ou separação total.
A justificativa dos juristas é que há mais igualdade na posição de homens e mulheres na família, e as relações atuais são mais fluidas, como se fosse vantagem para as mulheres não precisar deixar bens para os parceiros. Na prática, sabemos que as mulheres seguem trabalhando mais (jornada dupla e tripla) que os homens, e ganhando menos. Ou seja: mulheres ‘forçadas’ a concordarem com o regime de separação de bens podem ficar totalmente desamparadas após a morte dos companheiros.
Garantias não são eternas
Como sabemos, os direitos das mulheres nunca estão garantidos. Por isso, estamos atentas à incoerência de um texto que não menciona a palavra aborto, mas reconhece o planejamento familiar como “livre decisão do casal”. Mais que isso, fala em “potencialidade da vida humana pré-uterina”, e “vida humana pré-uterina e uterina”.
Essas vidas (?), segundo o documento, têm a mesma dignidade da vida humana. Em outras palavras, um embrião congelado tem a mesma dignidade que uma criança já nascida. Qualquer semelhança com o Estatuto do Nascituro, maior instrumento da extrema-direita na luta contra o direito ao aborto legal, não é coincidência.
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Direitos digitais
A nova atualização do Código Civil também traz novidade acerca do uso das novas tecnologia, considerando as relações entre pessoas naturais, pessoas jurídicas e entidades digitais (“robôs, assistentes virtuais, inteligências artificiais, sistemas automatizados e outros”). O capítulo 7 trata especificamente das inteligências artificiais, com destaque para práticas de não discriminação, transparência e responsabilidade civil, respeito aos direitos fundamentais e de personalidade.
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E daqui pra frente?
O primeiro Código Civil Brasileiro foi promulgado em 1916. O que usamos hoje entrou em vigor em janeiro de 2002. Em 2022, houve consenso no Congresso de que essa versão, que completava 20 anos, precisava de atualizações. Na época nem existiam as redes sociais, ou a possibilidade legal de casamento homoafetivo.
O anteprojeto entregue ao Congresso é apenas a primeira etapa da tramitação da nova lei. Agora, o Senado Federal tem a missão de usar o texto base para levar ao plenário uma proposta legislativa, ainda sem data para ser apresentada. Após aprovação na Casa, a proposta segue para a Câmara, e por último, para a sanção presidencial. Um novo Código Civil só entra em vigor um ano após aprovado, após um ano de vacância legal – período de adaptação às novas regras.
Sabemos que o processo todo deve demorar alguns anos, mas escolhemos participar da conversa desde o início, para cumprir a missão d’AzMina de oferecer informação de qualidade e independente para ajudar no combate às desigualdades de gênero. Se você acha que a gente tá ajudando nisso, espalhe essa news, nossas reportagens e conteúdos nas redes, e considere colaborar financeiramente.