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3 de abril de 2018

Nova safra de artistas brasileiras integra tributo à banda Bikini Kill

Notório por letras com conteúdo feminista radical, primeiro álbum oficial da banda considerada pioneira do movimento Riot Grrrl e de performances incendiárias completa 25 anos em 2018

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A banda Bikini Kill, considerada pioneira do movimento Riot Grrrl, chutou as portas para o protagonismo feminino dentro do movimento punk-underground com seu anúncio “All girls to the front” (“Todas as mulheres à frente”, em tradução livre), dito por Kathleen Hanna todo início de show. Formada em Olympia, Washington, em 1990, a banda contava com a vocalista e compositora Kathleen Hanna, o guitarrista Billy Karren, a baixista Kathi Wilcox e a baterista Tobi Vail. Influenciada pelo hardcore e pelo punk, lançou dois álbuns, vários EPs e duas compilações, se separando em 1997. O primeiro álbum oficial “Pussy Whipped”, notório por letras com conteúdo feminista radical e performances incendiárias, comemora 25 anos em 2018.

Toda garota/mulher que se viu inserida no movimento punk/hardcore chegou à banda Bikini Kill e descobriu que ser mulher e estar em cima do palco é um ato de resistência.

Em homenagem a esse legado, o selo paulistano Hérnia de Discos organizou uma coletânea brasileira intitulada: “Insubmissas – 25 anos de Pussy Whipped”.

A homenagem foi feita pela nova safra de bandas nacionais: Diablo Angel, Lâmina, Belicosa, Bertha Lutz, Framboesas Radioativas, Miêta, In Venus, 3D, Bloody Mary Una Chica Band, Charlotte Matou um Cara, Trash no Star e Readymades.

Conversamos com elas, que nos contaram um pouco como foi participar dessa coletânea que revisita um álbum tão cheio de história e que, provavelmente, influenciou suas histórias.

 

Diablo Angel
Pra gente foi sensacional poder participar, primeiro por ser um projeto tão legal de visibilidade às mulheres na música e no rock and roll e, depois, por se tratar de uma homenagem a uma banda icônica como o Bikini Kill. Para nós foi ainda mais especial, pois somos a única banda fora do eixo Sul-Sudeste, e o convite foi feito por causa da repercussão do nosso trabalho. A gente não conhecia, antes do projeto, ninguém da Hérnia de Discos. Poder fazer essa amizade e fortalecer a cena do rock feminino no cenário nacional é algo que todas queremos.

 

Lâmina
Com 13/14 anos, conheci o Bikini Kill, que me deu todo impulso e força de manifestar todas as questões que achava errada sobre o mundo. Na época, na escola, a gente que é muito “enfrentativa” acaba se sentindo muito sozinha dentro dos ideais, e conhecer uma banda ou algo que compartilhe dos seus manifestos te leva a achar mais pessoas da sua rede. E foi assim que eu acabei conhecendo o movimento Riot Grrrl, de São Paulo.

O disco Pussy Whipped em especial foi o primeiro CD que comprei das Bikini Kill, e acredito que o primeiro disco do rolê Riot Grrrl. Eu ouvia no repeat esse CD, em especial a música “Blood One”, que,  quando fiz umas aulas de bateria, foi a primeira música que tirei de tanto que me identificava com ela.

Louco e triste é ver que ainda hoje, tantos anos depois, como as letras dialogam com os dias atuais, o machismo que faz o corpo da mulher virar público, os problemas de relacionamento abusivos, de como feministas são rotuladas, como a pornografia influencia no modo como os homens veem as mulheres, de como os caras não ligam pra mulher gozar etc etc.

Daí em 2018, aos 30 anos, estar com a Lâmina, a banda que eu tocava na adolescência, e também estar ao lado dessas outras bandas maravilhosas, é pra lá de satisfatório e ainda fazer essa homenagem à banda que mudou completamente a minha vida.

 

Mieta
O convite para participar da coletânea veio com uma empolgação natural e consciente, pois sabíamos o que aquilo significava entre nós, de uma para a outra. Mesmo antes de tocarmos em banda, e vivenciarmos a música em sua forma mais cotidiana, a gente já sentia o peso do que era ser mulher querendo produzir artisticamente. Bikini Kill possibilitou nosso caminho e nosso lugar hoje em cima dos palcos. Essa banda e suas conquistas são parte da nossa formação como pessoas, como mulheres e, principalmente, como feministas.

Célia nos conta: “Não me via tocando Bad Religion ou Misfits, justamente pela falta de representatividade, mesmo que na época eu nem soubesse definir o que era isso. Quando arrumei umas fitinhas do Bikini Kill, e várias outras nessa época, tipo Dog School, No Class, Dominatrix, Bulimia, foi um tiro certeiro; me apaixonei. Não me senti sozinha pela primeira vez. E segui tocando meus Bikini Kills com muito orgulho e vontade de gritar e ocupar esses lugares, mesmo que enfrentando um monte de chacota de macho. Bikini Kill foi libertador, me deu força, e até fiz uma tatuagem (aquela famosinha capa do The Singles) pra me lembrar todo dia que não ando só.” E Bruna completa: “Gravar essa coletânea é um ato tão simbólico para mim, porque estar ao lado de mulheres e de um selo que têm toda a minha admiração – fazendo homenagem a uma banda que reflete toda a nossa história, nosso desejo, nosso amor incondicional pela música, nossa opressão sofrida e nossa força – mostra até onde chegamos desde o início do Riot Grrrl.”

Nossa música era Tell Me So. E o processo de arranjo e composição fluiu de forma muito rápida e prazerosa. Fizemos várias audições em conjunto e individualmente. E, a partir daí, fomos sugerindo e pensando os elementos para formar a versão. Mas tudo foi muito simples. Parece que todo mundo já sabia o que deveria fazer. Partimos pro estúdio e ela tomou a nossa carinha meio shoegaze. Deixamos rolar sem muita restrição de pré-formatação. Tocamos ela em banda pela primeira vez nesse mesmo dia da gravação e fizemos uma jam no fim da música, da forma como queríamos. Deve ter durado umas três horas todo esse processo.

No fim, o que fica mais é a importância e o orgulho de fazer parte desse lastro histórico entre o que Bikini Kill criou e mudou em sua época e o que vivemos hoje, com mulheres de todos os cantos do país explodindo e sendo ouvidas por todos. Se, há 25 anos, eles nos ouviam torcendo o nariz e sem saber o que pensar ao ver uma figura feminina no palco, hoje realmente eles nos escutam com mais respeito do fundo do público. Porque as mulheres chegaram à linha de frente, como Kat tinha falado.

 

In Venus
Desde quando a Cíntia chegou com a ideia do projeto achamos muito interessante, pela relevância do Pussy Whipped como um dos gritos iniciais do Riot Grrrl e como apresentação do feminismo para várias pessoas, culminando como influência sonora, de pensamento e postura dentro de todo esse rolê das minas.
Vemos também pela importância de trazer bandas de vários estados diferentes e que conversam, não só sonoramente, mas como posicionamento e ação, apontando para um mesmo lugar e sentido. Da nossa parte, sempre vemos como passos de um aprendizado estar envolvido nesses projetos e estamos felizes demais em ter participado.

 

D3
O convite nos deixou especialmente entusiasmadas, porque o punk rock é o único estilo de rock que tem viés político-social, e todas nós, em alguma medida, militamos por isso: direitos, liberdade, feminismo, igualdade e contra o autoritarismo nefasto que o capital impõe sobre as pessoas.
O que foi incrível nesse trabalho é que gravamos de primeira, ao vivo e sem ensaio e o resultado é esse punch maravilhoso característico da 3D.

É bom lembrar que hoje estamos comemorando 25 anos de uma luta que antecede a Bikini Kill, e que essa é uma luta constante, perene. Não podemos afrouxar nunca.

A arte, a cultura, a música, o rock, e sobretudo o punk rock, são ferramentas potentes pra que provoquemos essa reflexão nas pessoas. Vida longa à resistência! o/

 

Bloody Mary Una Chica “Gang”
Quando rolou o convite da Cint da In Venus para participar da coletânea eu aceitei na hora. Uma porque achei a proposta super legal, um jeito de homenagear e a possibilidade de fazer uma releitura de um som de um álbum tão massa como o Pussy Whipped. E refletindo sobre, esse é também um registro de que no Brasil existiu e ainda existe bandas inspiradas pelo Riot Grrrl gringo, afirmando a existência de um Riot Grrl Latino.

Como inspiração na vida, gosto muito de coletâneas de bandas de rock latino americanas dos anos 60 como “Mas Rock n’ Roll”, que tem algumas versões e releituras de rocks americanos em espanhol. Juntei essas ideias todas e transformamos Hamster Baby em Ratoncito Bebito. “Transformamos” porque chamei amigas para ajudar e participar dessa releitura comigo. Quem ajudou na tradução da letra foi a Lucy Plath, baterista argentina heroína que toca em várias bandas como Sacorfago Blues, Las Fantaticas Puppes e Las Puppeleres. Helena Duarte que é a mestra felina por traz do Estúdio Mestre Felino e as imãs sinistras da Sister MindTrap. A Carol e a Kether na verdade foram avisadas da parceria no carro enquanto estavamos indo pro Mogi (risos), ficamos assim: Carol Doro na caixa e surdo, Kether Hanna nos vocais, eu na guitarra fuzz e todas de backing vocal. Achei que seria também uma homenagem ao movimento não fazer esse som sozinha, pra reafirmar a parceria entre as mulheres e comunidade em torno do barulho das guitarras e gritos. Por conta das participações dessas mulheres maravilhosas achei nada mais justo do que fazer uma pequena alteração no nome da monobanda que agora se encontrava no módulo “gang” para Bloody Mary Una Chica Gang.

 

Charlotte matou um cara
Participar de um tributo ao Bikini Kill, que é uma das nossas maiores influências e uma banda que faz parte da história da Charlotte foi uma honra, uma emoção mesmo. Rebel Girl foi um dos primeiros covers que a gente tirou, é um hino pra nós! Mantivemos a pegada punk e demos uma acelerada porque né, é o nosso jeitinho rs. O disco todo ficou lindo, as versões estão incríveis, as bandas mandaram muito bem e mostraram que o Riot Grrrl brasileiro não deve pra ninguém! Só agradecemos à Hernia de Discos pelo convite e já estamos aqui esperando o próximo!

 

Trash no star
Participar de uma coletânea que comemora 25 anos do lançamento de uns dos discos mais importantes para o movimento de mulheres no roque, é no mínimo incrível! Ainda mais quando no processo de produção se tem tanta mulher potente e inspiradora. Ser mulher no meio musical é difícil, precisamos provar o tempo todo que somos boas no que fazemos, que merecemos estar nos espaços que frequentamos. Não somos parte de panelas, não somos chamadas para protagonizar nada.

E fazer parte desse projeto é inspirar outras mulheres e dizer pra elas que sim, nós podemos! Juntas somos mais fortes, é nessa rede que eu aposto cada segundo do meu dia, é nessa rede de afetos que eu me fortaleço.

O SELO

Desirée Marantes e Cintia Ferreira estão a frente do Hérnia de discos. Calcado na produção musical feminina e com vasta experiência no underground, o selo quer unir forças e abrir espaço para projetos integrados por mulheres no cenário musical independente. Diversas iniciativas vêm sendo trabalhadas por elas, junto a um grupo de colaboradoras espalhadas entre São Paulo e Porto Alegre, como circuito de shows, experimentações com pedais de efeitos, transmissões ao vivo, produção de shows e apoio ao projeto Girls Rock Camp. “A música ainda é uma área predominantemente masculina e a gente quer ampliar os espaços para as minas, meio como um “all girls to the front”, só que mais direcionado a composição, produção  e tudo que for relacionado a criação e produção musical”, conta Desirée.

Começar o ano com uma proposta tão forte dá indícios da intenção do selo: “Temos muitos planos pros próximos meses, passando por lançamentos de bandas já consagradas e apostas em novas artistas. Faremos mais uma experiência em nossa residência musical e prevemos pistinhas com o Hérnia Fest, além de pocket shows na garagem T-Recs, QG do selo”, diz Cintia. Dá para acompanhar de perto as apostas do Hérnia no facebook. Abaixo, confira a coletânea “Insubimissas – 25 anos de Pussy Whipped”.

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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