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31 de agosto de 2017

Rock, sertanejo e feminismo: conheça Camila Garófalo

Cantora e compositora resgata origens e busca referências em ritmos populares tradicionais do Brasil: 'Quando criança, ia pra fazenda e ficava em roda de viola', conta

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Foto de Mari Rosa

Nossa conversa se deu na casa da entrevistada, que nos recebeu com cafezinho no bule. O papo rolou ao estilo “comadres do interior”. Não coincidentemente, Camila Garófalo, uma mulher de voz forte e aparência marcante, é de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, e veio para a capital aos 17 anos. Acredite ou não, até essa idade ela só conhecia a música sertaneja.

“Eu não conhecia nada, não tive uma família que virava pra mim e falava ‘isso é Chico Buarque’ ou ‘isso aqui é Maria Bethânia’, nada!”

Em São Paulo, seu primeiro emprego foi numa agência de publicidade onde ouvia as pessoas falando que sertanejo era brega. “Quando eu vim pra São Paulo, eu já escrevia música, eu tinha várias letras e achava minhas músicas bregas e me perguntava o porquê. ‘Ah! Porque eu escuto sertanejo e sertanejo é brega. Então, preciso escutar outras coisas’”, conta Camila. Foi aí que renegou o sertanejo e resolveu estudar outros estilos.  “Essa coisa de buscar na internet era nova na época (por volta de 2003). Eu estava no computador da empresa, me lembro que digitei no Google ‘Jazz’ e comecei buscar referências cronologicamente, fui pegando tudo e tentando entender”, completa ela.

Foram três anos estudando música, do jazz para o blues, até chegar no rock clássico. Com Janis Joplin e Path Smith, descobriu que sua voz era boa para cantar rock. Teve uma banda cover desse estilo porque o namorado da amiga estava à procura de uma vocalista, e Camila queria mesmo era ter uma banda!

Hoje, se prepara para gravar o segundo álbum. Ela que, segundo a revista “Rolling Stone”, é uma mistura de psicodelia tropical, grooves redondos e questionamentos existenciais, está sentindo que precisa fazer algo mais verdadeiro, e o sertanejo retoma seu espaço.

“De uns tempos pra cá esse lance do sertanejo foi voltando em mim. Minha voz também é boa pra isso. Eu imito muito bem Maiara e Maraísa, por exemplo, sabe? Foi assim que comecei a cantar, foi o que eu ouvi a minha vida inteira. Não tem como, está na minha pele. Eu faço as coisas sem perceber.”

Ela nos revela que se deu conta disso numa parceria que fez para tocar num festival de rock. Ela iria cantar uma música da banda e a banda tocaria uma música dela. “Ela [a vocalista] cantou uma música comigo no ensaio e tudo bem. Quando eu fui cantar uma música deles, ela disse ‘eu não estou gostando esse jeito que você está fazendo, está meio sertanejo’”. Camila tentou retrucar que sertanejo era legal. Não adiantou, mas dentro dela começou a aceitação das suas origens.

Comprou uma viola caipira, fez aulas na EMESP Tom Jobim e até resgatou um grande sonho da avó: cantar num coral. “Ela me falou, ‘eu adoro cantar, eu adoro costurar, sempre gostei de arte, mas seu avô nunca deixou eu fazer nada’. Eu fiquei brava, falei ‘o que, como assim? Não, vovó, nós vamos cantar juntas’”. A viola virou companhia necessária para os finais de semana em Ribeirão, com as duas cantando juntas. “Ela adora cantar! Então acabou sendo uma coisa de eu resgatando as raízes, já que, quando eu era pequena, ia muito pra fazenda e ficava em roda de viola, tocando viola no meio dos homens, porque só tinha homem. Fazenda, música caipira, os homens não deixavam…”

Multifacetada, Camila tem um programa no YouTube chamado Mulheres Fora da Caixa. “Convido alguma amiga cantora pra homenagear uma outra mulher consagrada na música. A gente fez uma edição Sara Não Tem Nome canta Inezita Barroso”. Ela começou a pesquisar sobre Inezita e ficou maravilhada com o quanto teve que enfrentar pra poder tocar “o instrumento maldito”.

Deslumbrada com o “feminejo”, Camila nos conta que no começo se forçou a escrever músicas nesse estilo. “Eu diminuí a quantidade de shows, porque eu quero deixar esse rock de lado. Estou buscando no ‘feminejo’ esse resgate, mas, ao mesmo tempo, pretendo trazer tudo que eu aprendi até agora no mercado independente na nova MPB. Acredito que não vou conseguir do nada me desconectar”. Com o repertório quase arredondado, ela nos revela o seu maior entrave atual: “Quero uma produtora musical, uma mulher!”

A cantora considera seu primeiro álbum um ótimo trabalho, mas admite que hoje em dia faria tudo diferente. Foram quatro anos entre pré-produção e lançamento. Produzido por Bruno Buarque e do Dustan Gallas, Camila diz que não interferiu nos arranjos. “Meu pensamento na época foi ‘eles entendem, eles sabem o que eles estão fazendo, eu vou ficar bem quietinha aqui que é melhor pra mim’. E aí, o que aconteceu? Eles fizeram um disco foda, só que um disco que hoje eu olho e falo assim ‘nossa, teria feito tanto coisa diferente, eu saberia opinar em cada vírgula dele’. Não é que eu não goste, mas eu faria tudo diferente. É por isso que agora quero uma mulher”.

A dificuldade em encontrar uma produtora feminina acontece porque muitas não assinam seus trabalhos. Muitas vezes, elas até coproduzem, mas seus nomes não aparecem. “Isso dificulta na hora da escolha, pois não há um portfólio, não tem como saber como soará meu disco”, diz Camila, que questiona: “Cadê essas produtoras musicais que não assinam esses discos e estão aí, fazendo no quarto, caseiramente, deixando várias preciosidades lá na gaveta que nunca serão mostradas?”

Pra quem não sabe, Camila é idealizadora do Festival Sêla, que aconteceu em fevereiro desse ano (falamos sobre ele aqui).  “A mulher sempre pensa ‘não vou conseguir, não vou ser capaz, não vai ficar bom, tem que ser perfeito, tem que ser incrível’”.

Mônica Agena, produtora da Moxine, sua amiga pessoal e parceira de projetos paralelos, está entre os nomes cotados. No entanto, Camila acredita que será um disco produzido por diversas mãos femininas, diversas mulheres que ela está incentivando ao melhor estilo de sororidade.

“Se no meu primeiro disco foi a menina do interior que veio pra São Paulo e quis fazer música de São Paulo, gravando com músicos homens consagrados de São Paulo, agora é o oposto. Voltar para as raízes, encontrar essa minha essência sem pretensão de fazer algo que eu não sei, então assumir essa minha luta, saber da onde eu vim e com quem eu estou. E com quem eu estou são essas mulheres que querem criar junto comigo, que escutam eu tocando e veem uma coisa legal”.

Para finalizar, como de costume, ela manda um recado para encorajar outras mulheres: “Faça! Como mulher, a gente tem essa questão de não se achar capaz, então eu acredito que temos que desencanar e eliminar essa palavra incapacidade do nosso vocabulário. Porque isso trava a gente não só na música, mas em várias coisas. A partir do momento que você quebra essa primeira barreira, vem a segunda parte que é então vou fazer. Você pode chegar em qualquer pessoa que julgue importante fazer um projeto. Você não tem nada a perder. Simplesmente chegue e pergunte. A terceira dica é se unir com outras mulheres! É muito gostoso conversar com uma mulher, é de igual pra igual. Existe o site Women’s Music Event, com um banco de cadastro de profissionais. O quarto ponto é: descubra alguma coisa que ninguém faz. Descobri que fatia é essa, o que você poderia fazer que não está sendo feito agora? Ou que está sendo feito mas você pode abordar de forma diferente? É criar um produto único que não tenha concorrentes… não se baseie em ninguém e não leve em consideração nada do que eu falei. Cada um tem seu caminho”.

Foto de Cris Costa

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* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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