logo AzMina
6 de março de 2017

Em Portugal, cresceram disfarces que sexualizam meninas no Carnaval

E, convenhamos, ser menina não é - ou não deveria ser - "coisa sexy". O objectivo final é alimentar uma indústria capitalista, seja ela de beleza dos cosméticos às operações

Nós fazemos parte do Trust Project

Sejamos honestas: o Carnaval em Portugal não é o Carnaval no Brasil.

A trocar impressões com amigos e amigas brasileiras, disseram-me:

– “Desengana-te, o Carnaval no Brasil não é aquele que passa na Globo”.

Ora… eu só conheço aquele que passa na Globo: mulheres desnudas, grandes carros alegóricos, multidões nas ruas, muito álcool, alguma violência – ou muita, mas essa não passa na Globo – e, sobretudo, muito samba e impunidade. Falar do Carnaval, para mim, é portanto matéria a roçar o impossível.

No entanto, em Portugal, mantém-se a tradição de mascarar. Sobretudo para as crianças, é a oportunidade de se vestirem dos seus heróis, de cowboys, de médicos, policias, bombeiros, astronautas, se forem meninos e, para as meninas, há sempre uma ou outra fantasia mais comum e (sempre!) muita maquilhagem: as princesas, as bruxas, os capuchinhos vermelhos, invadem os desfiles das escolas. Não há heroínas!

As meninas, desde tenra idade, estão limitadas àquilo que são considerados os “disfarces de meninas” e que são escolhidos pelas próprias meninas que crescem a ouvir a Gata Borralheira e o Príncipe Encantado, a Branca de Neve e o Príncipe Encantado, a Bela Adormecida e… o Príncipe Encantado! E começam, desde pequenas, a achar que devem ser bonitas, bondosas, respeitadoras, bem comportadas e, acima de tudo, devem esperar… pelo Príncipe Encantado que virá num cavalo branco, num carro descapotável, numa Harley bem apetrechada ou a pé, salvá-las das agruras da vida e se encantará pelas suas características visíveis, mas nunca pela sua capacidade de luta, inteligência e independência.

Mas há uma outra tradição que começa, senão a surgir, pelo menos a crescer e que nos remete para uma hipersexualização das meninas. E se isso já era parte da forma como o imaginário feminino era construído pelos “contos de fadas”, agora pode ser comprado e encontrado nos disfarces de Carnaval de uma forma mais óbvia e muito mais directa! E, convenhamos, ser menina não é “coisa sexy”.

Esta exaltação da sexualidade feminina desde a mais tenra idade, numa altura em que a formação de carácter está em estado embrionário, encaminha para a submissão e está intimamente ligada a uma linha de negócio capitalista de financiamento das grandes multinacionais de cosméticos, roupa, mas que também promove o culto do corpo. No carnaval, o que se procura agora é ser sexy!

Numa discussão sobre o assunto levantou-se no meu Facebook um grande “sururu”:  que a culpa era dos pais e que estimularia os “pervertidos” a olhar as meninas como “coisas” numa clara objectificação do corpo infantil, mas, para lá da “culpa dos pais e dos pervertidos”, o que nos mostra esta tendência?

Há que primeiro compreender que “os pais” vivem num sistema que promove e incentiva essa “coisificação/ objectificação” do corpo da mulher e que, se há quem revire os olhos e nem pense duas vezes na possibilidade de tal compra, há quem sucumba aos pedidos das crianças.

A publicidade, os jogos de video, as revistas (…) apresentam diariamente os “looks” que as meninas querem imitar. E o sistema não se faz rogado. Dos kits de maquilhagem aos soutiens com enchimento, tudo está preparado para que as meninas, desde cedo, se comecem a imaginar “pequenas princesas que têm como moeda de troca a sua beleza”. A erotização e hipersexualização da infância é uma realidade: calçar os sapatos de salto agulha da mãe? Pintar os lábios daquele vermelho que usa a Jessica Rabbit? Quem nunca viu os concursos de beleza para crianças que permanecem até a idade adulta nas “Miss Universo”?

O percurso entre a infância e a adolescência está marcado no corpo e avança à velocidade da luz, uma tendência que consolida os papéis de género e os estereótipos sexistas: a elas pede-se que sejam as “mulheres perfeitas, submissas, inocentes, obedientes e atractivas – sexys! – para serem notadas entre as restantes pelos homens. O aspecto físico converte-se no eixo central da sua auto-estima e não alcançar esse ideal que parte de medidas e ideais impossíveis contribui, em muito, para um enorme grau de insatisfação com o corpo e, em casos extremos, desordens alimentares.

Mas não paramos por aqui! A Popota – uma mascote de supermercado -, uma hipopotoma que entrou pelos nossos ecrãs em 2009 na época do natal e, desde então, incentiva a compra de brinquedos para que os senhores da Sonae e do Continente possam, também eles, ter um Natal feliz, de uns anos para cá está cada vez mais magra, dança de uma forma ousada e veste-se como as grandes estrelas da música internacional, muito cor-de-rosa, bamboleante, cada vez mais Lolita.

Por sua vez, o objectivo final é alimentar uma indústria capitalista, seja ela de beleza dos cosméticos às operações (liposucções, aumento do peito), das lojas de roupa ao ideal que nos entra diariamente pelos olhos de revistas como a Cosmopolitan – como agradar o seu homem? Já tem o corpo de praia com que sempre sonhou? – ou pura e simplesmente de consumo insustentável ao mesmo tempo que moldamos a sociedade e controlamos a população formando para o futuro a mulher e o consumidor ideal.

Que tipo de mulheres estamos a criar para o futuro?

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Faça parte dessa luta agora

Tudo que AzMina faz é gratuito e acessível para mulheres e meninas que precisam do jornalismo que luta pelos nossos direitos. Se você leu ou assistiu essa reportagem hoje, é porque nossa equipe trabalhou por semanas para produzir um conteúdo que você não vai encontrar em nenhum outro veículo, como a gente faz. Para continuar, AzMina precisa da sua doação.   

APOIE HOJE