Em abril desse ano a Forever21 causou, provavelmente não-intencionalmente, um dos maiores diálogos sobre sustentabilidade e ética na moda em perfis de fast fashion, em um de seus posts, na conta de Instagram da Forever21 Índia.
O perfil da loja havia postado uma foto de etiqueta de roupa na qual se lia “Eu provavelmente não usarei esse vestido de novo porque ele já apareceu no meu Instagram”. Abaixo da frase lia-se “Feito na China” e “100% fast fashion”. A legenda da postagem dava a entender que esse era um comportamento comum, aceitável e, inclusive, incentivado pela marca.
A maioria dos comentários no post era negativa e condenava a mensagem que a marca estava passando, questionava a Forever21 sobre transparência em sua cadeia, responsabilidade ambiental e social, produção em excesso e encorajamento de hábitos de consumo insustentáveis. O post foi deletado – mas outra discussão menos acalorada restou.
A criadora da foto publicada pela Forever21 é Elizabeth Illing, e a imagem havia sido originalmente publicada no Instagram de seu projeto visual pessoal, Project Stopshop. Em seu perfil ela posta diversas etiquetas com mensagens que ironizam comportamentos de consumo que já foram naturalizados, mas são absurdos.
Não apenas a fast fashion não entendeu (ou não quis entender) a ironia da mensagem original, como publicaram a imagem sem fonte e sem nome da artista, como se não houvesse autoria em criação na internet. Elizabeth teve que contactar a equipe de mídias sociais da Forever21 juridicamente para que seu trabalho fosse apagado do perfil da marca.
Na internet existe plágio?
Parece pouco, mas para quem é artista independente e conta com as redes sociais para divulgar seu trabalho, a luta é quase sempre vã. Embora haja leis de direitos autorais, nada impede que um artista de grande nome recrie algo visto na internet e revenda como seu e original. É o que acontece atualmente com Stephanie Sarley, que criou uma linguagem estética e conceitual na manipulação erótica de frutas, vegetais e alimentos em geral.
Embora não possamos dizer que Stephanie criou o conceito, ela decididamente elevou o nível da brincadeira, transformando em arte erótica o que antes era só metáfora sacana. Há um uso de cores, sons, ritmos e desfechos nos vídeos que Stephanie cria que são muito particulares e facilmente reconhecíveis como dela.
A briga de Stephanie, no momento, é com a pop star Miley Cyrus. Quem é ligado em cultura pop americana, mesmo que de leve, deve ter visto relances dos novos vídeos de Miley promovendo seu novo trabalho, o EP She is Coming. Um dos motes estéticos dessa nova fase de Miley é a manipulação erotizada de alimentos, algumas vezes acompanhada de mensagens pela liberdade do corpo feminino e legalização do aborto.
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Stephanie Sarley defende que um dos vídeos de Miley é plágio de seu trabalho, que vem sido postado gratuitamente em seu Instagram desde 2015 e vem evoluindo desde então. Miley (ou sua equipe de mídias sociais) por algum tempo deletou comentários em suas postagens que mencionassem o nome da artista e linkassem o Instagram original dos vídeos.
Outra artista feminista, a confeiteira Becca Rea-Holloway, também acusa Miley de roubar um de seus designs, um bolo decorado com os dizeres “Abortion IS self-care” (Aborto É auto-cuidado).
A pergunta que fica é: uma artista pop de renome, estabelecida no mercado musical, milionária, que defende causas feministas em suas redes e seus trabalhos… deveria sujeitar uma artista independente, com muito menos público, que também advoga por liberdade sexual e do corpo a ter seu trabalho roubado e plagiado? Feminismo como marca pessoal de celebridades é feminismo real?
Apropriação cultural
O uso do corpo como argumento ferrenho do feminismo de cantoras pop não é novidade – Beyoncé tem feito isso desde o Destiny’s Child e embora Bey tenha sido uma das primeiras a admitidamente a vender seu corpo como maneira de auto afirmação, ela não foi a primeira a usar a estratégia.
Miley também usa dessa estratégia há alguns anos – aquela noção de eu tenho domínio do meu corpo físico e faço dele o que quero, e isso faz de mim uma mulher liberta. Pode ser lindo e poderoso, mas se ela tá passando por cima de outras mulheres menos poderosas no caminho, o quanto essa suposta liberdade dela está realmente trilhando caminhos melhores para todas nós?
Outra celebridade conhecida por usar seu corpo como commodity e lucrar com ele é Kim Kardashian. Sua ascensão à fama foi também a ascensão dos corpos curvilíneos, dos quadris grandes, de uma estética menos eurocêntrica de beleza feminina. Kim não foi a primeira mulher com bunda grande a usar isso como um negócio, mas é a que fez melhor e levou os frutos mais longe.
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A bunda de Kim a levou de subcelebridade de reality show a esposa de um dos maiores rappers da atualidade, dona de um império de produtos que vão de perfume e maquiagem a bolsas, sapatos, roupas, livros e filtros para fotos em redes sociais.
Seu mais novo empreendimento é uma marca de roupas íntimas que modelam o corpo – do tipo que ela mesma usa. Lingerie, lounge wear, roupa modeladora, uma série de produtos de moda para a intimidade feminina. Kim não é pouco conhecida por sua egolatria, e decidiu nomear sua nova marca de Kimono.
Kimono, segundo a socialite, é um jogo de sons com seu próprio nome, e nada relacionado ao item de vestuário tradicional japonês que existe há milênios. E a Kardashian prosseguiu: decidiu transformar a palavra, que está no vocabulário japonês também há milênios, em marca registrada dela.
Kim já anunciou a troca do nome de sua marca, pois a reação online foi descomunal – o próprio governo japonês se pronunciou sobre a importância cultural do kimono para os japoneses e a enorme popularidade da peça de vestuário, que até nos Estados Unidos é reconhecida como um item altamente fashionista, mas extremamente japonês.
Nesses tempos que escutamos tanto sobre diversidade cultural, racial, de gênero e mais um tanto sobre apropriação cultural, é possível uma celebridade estar tão alheia, tão alienada, tão imersa em seus próprios espelhos e ego?
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A moda e a música pop são sistemas ainda extremamente colonialistas – no sentido que seus mecanismos de produção e venda visam fincar mensagens estéticas que serão reproduzidas em diversos níveis da nossa sociedade e se apropriar de mensagens sociais para então devolvê-las em forma de produto.
Se existe feminismo e diversidade na moda e na música pop, é porque eles cabem dentro do sistema como mercadoria, e não como ideologia. E é nesse espaço entre mercadoria e ideologia que grandes nomes e marcas tomam o trabalho de gente que está produzindo arte para encontrar seu espaço, para comunicar mudanças e necessidades sociais, para lutar, e embrulham essas lutas para que nós as consumamos mastigadinhas, sem questionamentos, de um jeito que dê pra fotografar e publicar nas redes.
O dinheiro segue nas mesmas mãos, assim como a fama, o renome, e a memória. Pode existir feminismo num sistema artístico que cresce e lucra com apropriação cultural e artística?