
Quem senta no Divã de hoje é a Talita Coling.
“Meu primeiro contato com ele foi via Facebook. Ele me abordou perguntando se eu já havia assistido alguma peça do grupo de teatro que ele dirige. Eu respondi que não, mas conhecia o grupo, tinha uma garota que protagonizava suas peças e havia contracenado comigo em um longa. Ela havia me contado que era um grupo experimental, que tinha um método próprio criado por eles. Achei superlegal, mas nunca busquei conhecer.
Então, nessa conversa pelo Facebook, ele me convidou a ir conhecer a sede do grupo de teatro e conhecer o método deles. Eu fui.
Chegando lá, ele foi supersimpático. Batemos papo, estávamos sozinhos. Aí ele apagou a luz, ligou uma fumaça de palco e disse que eu ia ser testada. Começou a fazer exercícios de respiração comigo, com um fluxo muito forte, e a falar um texto no meu ouvido que eu tinha que repetir. Eu fui entrando nessa loucura… Ele pegou o celular, gravou, me mostrou e disse “você está dentro! Bem-vinda à companhia!” Mas, peraí, eu já tô em uma peça, não tenho como entrar na sua.
Vale aqui uma pausa para contextualizar minha situação de trabalho na época. Eu estava trabalhando em uma peça aos trancos e barrancos. Não tínhamos lugar pra ensaiar, dinheiro e teatro para nos apresentar. Era um projeto de futuro incerto, mas acreditava na ideia. Com a falta de esperança dessa peça, versus as maravilhas que esse diretor estava me propondo, conversei com meus colegas e concordamos que seria muito bom pra mim e minha carreira.
Eles conheciam o tal diretor por nome também e acharam muito legal eu ter conseguido esse teste e passado. Pausamos nossos ensaios e fui me dedicar à outra peça . O projeto era todo pomposo. Apoio de um grande jornal, do governo do estado. Isso fez com que a proposta ganhasse créditos aos meus olhos.
Os abusos foram crescentes. No início era uma coisa do tipo ‘gosto da sua luz’, ‘gosto da sua energia… você tem algo especial’. Ele sempre espiritualizava as coisas para ganhar terreno. Elogios e mais elogios. Até o dia em que comecei a receber poemas, declarações de amor. Ele se dizia apaixonado e fiquei assustada. Pedi para que não mandasse esses textos, caso contrário me sentiria mal estando na companhia. Não iria corresponder ao amor que ele dizia sentir. Mas ele não parou.
De madrugada me mandava poemas e descrevia seus sonhos em que me via nua, um monte de coisas… e eu pensava: ‘Meu! Que chato isso’.
Um dia cheguei na companhia e os atores estavam praticando o tal método elaborado por ele. Respirávamos até a exaustão e praticávamos um exercício onde tínhamos que cair no chão (segundo ele para nos livrarmos dos nossos medos). Um dia, passei mal. Tontura, não conseguia mais respirar, perna mole. Ele sugeriu outro exercício. Dividiu todos em duplas, e os que estavam se sentindo bem doariam energia a quem estivesse fraco. Eu fui a dupla dele.
O cara já começou soprando minha boca (como um sopro de vida), querendo colocar a boca dele na minha a todo custo. Nisso as luzes apagadas, música… cada dupla fazendo sua proposta e ninguém vendo ninguém. Ele passou a mão em todo lugar do meu corpo e eu, focada na experiência do exercício, não me dei conta de que estava sendo abusada.
Pouco tempo depois, conversando com uma amiga que estava nesse elenco comigo, contei do ocorrido e das mensagens dele. Ela me mostrou coisas dela, muito piores. Sempre indo pro lado espiritual dizendo que ela tinha que doar seu corpo a ele, permitir que ele o tocasse. Que o espírito dela estava fraco, que ela era uma mulher fraca e que ele ia fazer dela uma mulher forte.
Havia conversas dele em que o conteúdo era idêntico às que ele mandava pra mim. Essa amiga também estava exausta, se sentindo perdida, frustrada! Ela me disse esse dia que ia sair, pois não estava mais acreditando que era capaz de fazer arte.
Ele sempre nos dizia que não éramos capazes, que nossa salvação para fazer arte de verdade estava nele, que ele apontaria o caminho.
Minha amiga desistiu. Eu continuei. A primeira data da peça que ele levantou foi em abril. Depois adiou pra maio, agosto… a peça nunca saiu. Ele era o responsável pela dramaturgia e nunca levou um texto pra que ensaiássemos. Fiquei de fevereiro a julho, e ele brincando com o corpo e psicológico das pessoas, das mulheres principalmente.
O time principal da companhia era formado por quatro homens que se denominavam ‘master minds’. Nós éramos tratadas como nada.
Aos poucos via que uma mulher saía, depois outra e outra… Fui atrás de todas, e o motivo era o mesmo: assédio da parte dele. Sempre que alguém o confrontava ou dissesse não, ele ‘demitia’. Até que chegou a minha vez, um dia em que questionei o método dele.
Depois que saí, conversando com um homem que integrava esse grupo quatro anos atrás, contei dos assédios. Ele me disse que não era a primeira vez que acontecia.
E várias mulheres desacreditando de seu potencial e talento só porque um idiota que não conseguiu levá-las pra cama fica repetindo isso como forma de vingança pessoal. Apenas mais um exemplo comprovando a importância de nos empoderarmos como forma de combate ao machismo, que, mesmo nos palcos, é elemento bem presente na vida real.”
* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
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