Hoje o Divã d’AzMina é de uma leitora que preferiu não se identificar.
Eu sou uma sobrevivente. Fui estuprada duas vezes e ainda tenho forças para lutar.
A primeira vez foi com um namorado. O ato sexual já estava acontecendo, mas, eu não estava lubrificada. Pedi para parar. Ele não parou porque disse que já estava gozando. A lembrança que tenho deste momento é da sensação de ter pregos na minha vagina, o que me trouxe como trauma o vaginismo, contração involuntária da vagina. Ainda hoje, depois de muitos anos, ainda que queira fazer sexo, sinto a resistência. É horrível ouvir: “Nossa, você é tão apertadinha”! Não! Eu não sou! Isso se chama resposta de trauma. O corpo entende como invasão, de novo. E só descobri que isso que vivi foi um estupro em uma cena da série Felicity, quando uma moça é estuprada e o cara diz para ela: “Se você disse não, é estupro”! Lembro de ter chorado, de meu corpo tremer e de finalmente entender porque, uma vez em que achei que via este ex-namorado, meu corpo tremia como se eu precisasse correr para salvar minha vida!
Então, ocorreu o segundo estupro e a razão de eu decidir falar sobre ele é porque muitas pessoas estão questionando a menina estuprada coletivamente. Mas, como ela deu conta de contar? Mas, como ela percebeu o que estava acontecendo se estava dopada?
Eu vou contar para você como isso é possível: ela estava dopada e não completamente, inconsciente, como eu também estava dopada quando fui estuprada pela segunda vez, também por uma pessoa da minha mais inteira confiança, alguém que eu nunca pensei que pudesse ser capaz de tal ato porque me amava, certo? Certo! Mas, aconteceu.
Na ocasião, eu tomava ansiolíticos para tratar de TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizado) e, com uma frequência grande, mal conseguia sair da cama pela manhã. O rapaz estava ao meu lado e acordou. Eu estava dopada, sem conseguir me mexer e ele veio me pedir para fazer sexo. Eu disse um débil “não”. Afinal, eu mal conseguia me dar conta de mim, mas ele fez sexo com meu corpo como se eu fosse uma boneca inflável. Ele movimentou o meu corpo e eu não tinha condições de me movimentar, apesar de sentir tudo que ele fazia. Eu não tinha condições de fazer, absolutamente, nada, embora sentisse o corpo dele.
Talvez, pelo trauma, eu não consiga lembrar, exatamente, como foi o ato sexual, mas, o que eu sei é que eu disse “não”. O que eu sei é que meu corpo foi usado e eu senti. Ele foi manipulado, apesar de eu não querer. Eu estava dopada, não inconsciente e é assim que eu sei que ela pode contar quantos caras eram. É assim que eu sei que ela soube o que aconteceu, porque eu fui estuprada por um cara que fez o mesmo comigo, que me usou como uma boneca inflável. Para aquele homem, eu era apenas um buraco para se satisfazer, não uma pessoa com sentimentos e que tinha uma vida. E isso é horrível!
O conselho que eu tenho para ela e para quem tem qualquer tipo de trauma (se você for um rapaz que sofreu abuso, meu conselho também é válido) é: procure terapia! É revoltante o que nos aconteceu, é horrível, mas desta minha história eu pude me tornar quem eu sou, pude querer fazer o bem e ajudar as pessoas. Eu sobrevivi. Eu estou no mundo ainda.
Uma vez, li um livro do Leo Buscaglia em que ele cita o caso de uma moça estuprada, que ficou cega porque o agressor bateu nela e o entrevistador pergunta como ela superou.
Ela respondeu: “Ele tirou um dia da minha vida! Não vou deixar que tire mais nenhum”!
Eu lembro dela quando me sinto mal. Eu lembro desta resposta quando fica difícil e quero que todas as mulheres vítimas de estupro possam se lembrar também. Eu quero construir um mundo melhor.
E eu tenho mais uma coisa para dizer: não interessa o que ela fazia antes ou suas preferências sexuais. Ela não consentiu. Ponto! Isso é estupro!