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6 de setembro de 2017

Culpa materna: por que ainda damos ouvidos a esse monstro?

A culpa nos relega ao posto esperado para as mães: uma suposta santificação que nada mais é do que isolamento e confinamento.

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Foto: Pixabay

Antes de me tornar mãe e, como boa feminista, pensava que a culpa materna não entraria na minha maternagem. Tinha para mim que, por ter plena consciência de que a culpa é mais um reflexo da socialização à qual as meninas são submetidas desde que nascem, estaria imune deste mal. Pobre de mim!

Logo que Cacá nasceu já levei logo um grande fueeeeeeemmm e fui cheia de culpa para a cesárea que eu sempre temi. Nos primeiros dias em casa, não foi diferente de todos os relatos que eu ouvia: cansaço extremo, dor, medo, insegurança e a maldita culpa que parecia realmente estar mais colada ao corpo do que aquele bebê pendurado no meu peito.

A culpa vem em muitos formatos, e quando parei para pensar mais sobre ela percebi que, apesar de não ser uma exclusividade materna (já diria a pobre Eva que, muito antes de ter filhos, foi culpada pelas angústias e tragédias da humanidade toda) ela se acentua na maternidade.

Isso acontece porque ela serve ao propósito de nos controlar e nos relegar ao posto esperado para as mães: uma suposta santificação que na verdade nada mais é do que isolamento e confinamento ao espaço de não-decisão e não-influência.

Se antes de sermos mães nos sentimos culpadas por sermos gordas / magras / bonitas / feias / dar demais / dar de menos / não dar / dar de quatro / dar de oito / dar papai e mamãe / estudar / não estudar / casar cedo demais / não casar, quando nos tornamos mães nos acrescem ainda da culpa por tudo que aquele ser humaninho venha a fazer no mundo!

Se você é feminista, ai do filho ser machista. Usa chupeta? Mas e a livre demanda? Amamenta? Mas ele vai fazer teu peito de chupeta! E eu poderia citar aqui um sem fim de exemplos de culpa materna, mas estaria sendo apenas repetitiva e chata.

Enquanto feminista hétero, casada com um omi aparentemente atualizado no século em que estamos no que se refere às condições de igualdade de gênero, eu realmente acreditava que a divisão das tarefas maternas e paternas seriam igualitárias aqui em casa. Mas não é isso que acontece.

No mundo real, todas as minhas amigas e conhecidas que se tornaram mães e que têm parceiros acima da média reclamam de uma piora significativa no relacionamento após o nascimento do bebê. Passam (passamos) a reclamar muito mais e coisas que antes não nos incomodavam se tornam motivo de brigas homéricas. Por que será?

Minha teoria é que simplesmente a gente passa a enxergar com toda a clareza o como a socialização masculina é escrota!

A maternidade nos joga na cara em um dos momentos mais delicados da vida que por mais “homão da poha” que nosso omi seja ele ainda é muito bosta perto de nós quando se trata de filhos! Que por mais que tenhamos feito o discurso de “comigo não vai ter essa de ajudar, vai dividir tarefas”, o que eles fazem é ajuda sim, porque não chega aos pés de ser uma divisão justa!

Uma vinheta francesa que circulou recentemente nas redes sociais literalmente desenhou o porquê de nos sentirmos tão cansadas, tão exaustas e tão culpadas mesmo tendo um marido e pai presentes e que fazem infinitamente mais do que a maioria dos homens sequer sonha.

E isso tudo é conflitante pra caramba! Esses sentimentos de fragilidade mas ao mesmo tempo de responsabilidade imensa! De saber que sim, ele pode simplesmente sair andando e voltar à vida anterior e pouco vai acontecer. Vai ter que pagar uma pensão, e talvez seja julgado por uma ou outra pessoa, mas nós simplesmente não conseguimos sequer sonhar com essa possibilidade sem que nossa vida vire um slut shaming e sejamos culpadas pelo maior trauma na vida de um ser humano – o de ser abandonado pela mãe.

Essa sensação de “prisão” é doida e doída! Porque ao mesmo tempo que sentimos isso ouvimos aquela pessoa dizer: “miga sua loka, seu filho é uma benção, porque você está se sentindo assim?”

É sempre julgamento, julgamento, julgamento!!! E eles lá, belos e pançudos curtindo o amor mais leve que existe: o paterno!

Precisamos aprender com eles a nos sentirmos tão bem fazendo o óbvio, também conhecido como: nossa obrigação! Sim, porque quando o pai troca meia dúzia de fraldas ou acorda para buscar o bebê no berço a sociedade age como se ele tivesse descoberto a cura do câncer!

É preciso muito pouco para ser considerado um Paizão. E é preciso menos ainda para ser considerada uma mãe de merda.

Comecemos a mudança que queremos ver mudando a forma como nos enxergamos e a forma como enxergamos as mães à nossa volta, seja lá em qual tribo nos encaixemos. Antes de julgar uma mulher que trabalha fora ou que não trabalha fora ou que deixa os filhos verem desenho ou que não deixa os filhos verem desenho e assim por diante pense e lembre o quanto é difícil ser mãe! O quanto é difícil carregar o peso do mundo sobre seus ombros, mesmo que tenha alguém ali para te dar a mão!

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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