Como briguei por 5 dias por um parto normal – e valeu
"Eu já estava preparada pra me empoderar diante de todo o processo de linha de produção da maternidade. Minha doula me explicou como eu teria de ser: punho firme com as exigências sobre meu próprio corpo"
–N ossa menina, já passam de 41 semanas, você tá esperando o que pra ter seu filho? – lançou a enfermeira.
Eu sorri e, pacificamente, respondi:
— Tô esperando ele querer nascer, ué.
Eu já estava preparada pra me empoderar diante de todo o processo de linha de produção da maternidade. Minha doula (que é uma espécie de assistente de parto, digamos assim) me instruiu e me explicou como tudo seria, como eu teria de ser: punho firme com minhas exigências sobre meu próprio corpo, respeitando o tempo que o Benjamin quisesse permanecer dentro de mim.
Mas a enfermeira me encaminhou para o médico, já na intenção de me internar para induzir o parto. Percebi que o médico tinha aquele jeitinho não-humanizado de ser quando me mandou sentar sem sequer olhar na minha cara. Sentei. Bufei. Aí ele pediu minha caderneta de gestante. Olhou a data prevista pro nascimento do meu filho (21/12/15), já era dia 04/01.
— Quer dizer, então, que você já está com mais de 41 semanas e ainda não foi pra internação? O que houve?
Eu:
— Nada demais. Apenas me informei durante nove meses pra não deixarem fazer nada que meu filho não queira e não vai ser agora, na reta final, que isso vai acontecer. Tenho doula, tenho plano de parto e tenho conhecimento. Isso responde o porquê de eu não estar internada?
Ele pasmou. Me fez assinar um termo pra eu me responsabilizar por não ser internada. Quando ele terminou de falar, eu ainda complementei:
— E, além de não ser internada eu também não quero que o doutor me faça agora o exame de toque, afinal, não tenho nenhum indício de trabalho de parto – mais um choque.
Ele concordou. Fiz os exames cardíacos do bebê e o ultrassom. No fim da consulta, ele disse que meu filho estava ótimo. Era sexta-feira. Segundo ele, se até segunda eu não tivesse o Benjamin já era pra eu ir de manhã pra maternidade em jejum.
Bom, aí foi quando comecei a ficar meio fora de controle. Toda a tranquilidade que eu tinha sentido a gestação inteira se perdeu alí. Não queria mais ver meus amigos, não queria mais ver parentes, ouvir música, ver filme, só chorava todos os minutos pensando: put* merd*, vou ter que me render à intervenção médica?
Falei com a minha doula e ela disse:
— Vai andar, vai se distrair, para de pensar no parto, vai tentar ser feliz que ele vem.
Passei a sexta e o sábado na maior deprê. Domingo, após o almoço, eu olhei pra minha mãe e pedi que fôssemos caminhar no Parque da Cidade. Ela, feliz, concordou. E, ali, começaram as leves contrações. Vocês podem imaginar como eu fiquei feliz em sentir dores? Só uma mãe sabe a alegria das primeiras contrações. E eu rezava pra elas virem cada vez mais! Entramos no carro e fomos pra casa.
Alí começou o que chamamos de estado latente, que pode durar dois ou mais dias. E durou. Eita moleque que curte um útero! Na segunda-feira, a doula me recomendou que eu fosse à maternidade ouvir os batimentos, afinal já estava com 42 semanas e 2 dias de gestação. Tecnicamente meu caso já era ‘pós termo’ e isso, pros médicos, já é parto de risco. Mas eu sabia que, se fosse pra maternidade, não ia haver empoderamento que me salvasse da internação.
Mesmo assim decidi ir. Fui atendida por uma médica super querida que entendeu meus desejos. Ela pediu pra fazer um exame de toque e viu que eu tinha apenas 1 cm de dilatação. Ela perguntou se eu queria ser internada. Eu realmente não sabia o que responder, mil coisas passavam pela minha cabeça. O que fariam comigo na internação? Meu plano de parto me protegeria? Cadê minha mãe? Benjamin, por que demoras? Alí eu pirei.
Ela percebeu minha aflição ao ver meus olhos cheios de lágrimas e dúvidas. E disse: “faz assim, dá umas andadas pela quadra, pensa, fala com sua mãe e doula e volta aqui pra me dizer o que você quer fazer”. Jamais pensei que uma médica falaria isso, me daria a oportunidade de escolher. E amei.
Fui andar. Chorando, ao redor da maternidade, com a mão na barriga, conversando com o Ben, pedindo ajuda dele, perguntando o que ele queria fazer. Fiz um acordo com a médica: ela me internaria sem induzir o parto artificialmente. Apenas para ficar me observando.
No próximo exame de toque – consentido, claro – descobrimos que minha caminhada tinha dado resultado, eu já estava com 4 cm de dilatação! Mas aí começou a bateria do “quero te induzir a qualquer custo”. Ela chegou a sugerir que estourássemos minha bolsa de maneira artificial. De jeito nenhum!
Minha doula chegou, minha mãe estava ali e eu igual uma doida andando pelos corredores. Eu entrei na maternidade em torno das 14h da terça-feira. No meio da madrugada de terça pra quarta, eu estava apenas com 6 cm dilatados. De vez em quando, eu ficava bem desanimada pensando que aquilo parecia não ter fim.
Parece que as duas horas voaram. 7 da manhã. Troca de turno. Movimentações de enfermeiras e meu estômago embrulhado. Concordei em alguns miligramas de ocitocina. Consegui o mínimo possível e bastou. Ainda bem que eu concordei, o médico que me dava arrepios tava louquinho pra me picotar na cesárea (sem contar que eu fiquei sabendo que ele abominava doulas. E eu lá, com a minha, bem linda, empoderada e sorridente Fernanda).
Foi ela colocar a ocitocina na minha veia que me veio a porrada de contrações. TÃ NÃM! – Welcome to Partolândia – cheguei na terra das contrações intensas. No estágio do parto em que tudo que se viveu na vida é esquecido. Que tudo que se faz é esquisito. Que tudo que se diz não quis ser dito. Que toda a dor que senti na vida não se compara a um segundo de dor daquele momento. PUTA QUE PARIU, QUANTA DOR.
Entendi porque homem não tem útero: não aguentam um chute no saco, aquilo, então, seria o fim do mundo. Morreriam, com certeza.
PUTA QUE PARIU, QUANTA DOR!.
A cada contração eu berrava e apertava com as unhas minhas companheiras. Todas esfoladas e eu nem aí. Eu suava demais. Meu cabelo estilo leão já não ligava mais pra órbita. Minha camisola encharcada. E eu tremia de frio. Com um cobertor de lã em cima de mim. Eu ficava de quatro na cama. Ficava de lado. Ficava em pé. Ficava de joelhos. Os berros. A garganta. A respiração solta e já descontrolada. Os olhos espremidos. O choro agressivo. A vontade de desistir e não poder.
A vontade de berrar: ME LEVA PRA ESSA CESÁRIA, DOUTOR MONSTRO! ME ANESTESIA, ME MATA, ME LEVA PRA QUALQUER LUGAR QUE NÃO SEJA ESTE! O momento de desespero e desistência. A Fernanda me alertou sobre esse momento. Não aceitei analgésicos. Não aceitei desistir. Me deixei ir pra lá de Bagdá. Já não havia mais volta, meu filho estava vindo.
Olhei pra enfermeira e pedi, suplicando, se eu podia fazer o parto de cócoras na poltroninha própria para esse tipo de parto. Eu já estava alí há mais de 14 horas, sei lá, nada mais existia direito. De um lado, minha doula. Na frente, a enfermeira, atrás, no abraço, minha mãe, e abaixo, vindo, Benjamin.
Eu só repetia: Eu consegui. Eu CONSEGUI. EU CON-SE-GUI!
Lembro de nem conseguir segurar ele no primeiro contato pele-a-pele direito de tão exausta. Eu tremia demais e pedi que a enfermeira o segurasse. Ele olhava pra ela, tão cheio de ternura. Eu só queria cair. Encostar em algo. Tomar um banho. Mal consegui me emocionar e entender direito o momento.
A dor da vida que tem um gostinho de morte. O verdadeiro renascimento de mim mesma.
Tirei minha blusa e coloquei ele pra mamar. De primeira ele teve a pegada certa. Fiquei ali. Olhando. Chorando. Chorando. Chorando mais. Era muito amor. Muita dor. Tudo junto. Benjamin nasceu, mas eu, eu renasci. E prometi que faria o possível e o impossível pra ver ele feliz. Que aquilo tudo que aguentei não era nada comparado a tudo que eu estava disposta a passar por ele, por toda minha vida.
* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
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