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11 de junho de 2018

Parar de me depilar me trouxe relações mais ousadas e sinceras

'Meus parceiros/as devem ser bem resolvidos com o fato de que buceta cheira a buceta e adultos tem pelos'

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Quem senta no Divã de hoje é a Clarice Gonçalves.

Comecei a considerar parar de me depilar por volta dos 16 ou 17 anos, quando passei a me conectar com o fato de que pelos fazem parte de um ser humano adulto, já de saco cheio com todo o processo doloroso da depilação e me conectando com minhas dores e prazeres.Cresci indo com minha mãe nas sessões de tortura, ops, depilação dela. Ficava brincando com a cera morna, fazendo esculturas e aprendendo com ela a reprimir a dor. Lembro de ver minha avó arrancando os pelos das axilas com esparadrapo. Tentei uma vez e foi traumático.

Lembro também que minha mãe me mostrava como minha avó quase não tinha pelos nas pernas, porque tinha se depilado a vida inteira e conquistou as pernas lisinhas. Minha mãe falava com esperança nos olhos… Aquilo passou a me dar calafrios: uma vida inteira escondendo os pelos, o sangue, a dor, a humanidade.

Como qualquer garota busquei os métodos para me sentir aceita e que fossem menos trabalhosos e com ‘melhor resultado’. Raspar encravava os pelos, causando coceira e inflamação, manchas na pele, assim como os cremes. Para o resultado ‘ideal’, eu depilava com cera e tirava tudo.

Leia também: Depilação e feminismo: Existe machismo em cada pelo que arrancamos?
Ainda tinha que ter a sorte de encontrar quem soubesse fazer a depilação, sem nojo, sem violência, sem julgamento e por um preço que eu pudesse arcar. Ainda tinha um código do tipo de depilação que se pede e a leitura que a depiladora faz de você – assim como na ginecologista, algumas dessas profissionais aparentam ter asco de seu ganha pão.

Tinha vezes que, buscando uma profissional mais acessível financeiramente, voltava pra casa me sentindo mutilada, a vulva em carne viva, dias para cicatrizar. Depois comecei a oscilar, passava tempos sem me depilar, deixava tudo crescer e quando tinha vontade tirava eu mesma com cera. Passei a explorar e manipular a dor, descobri que se me masturbasse durante a depilação, a dor sumia e dava lugar a um grande prazer. Depois cansei de vez, e desde então, só “aparo a cerca”.

Acredito que assumir meus pelos melhorou minhas relações, firmando na minha vida desde cedo pessoas sintonizadas com a própria liberdade, sexualidade, prazer, mais bem resolvidas, mais criativas verdadeiras, mais ousadas e sinceras.

E, claro, tem o bônus de afastar o tipo oposto e indesejado de seres humanos. Tenho o privilégio de ser artista, viver nesse meio onde as barreiras estéticas são aparentemente mais maleáveis.

Como pintora figurativa, os pelos surgem nas figuras femininas lindamente naturais, livres, leves. Nossa conexão com o selvagem, o natural, o não domesticado, o não pré-conceituado. Da mesma forma como vejo os pelos no masculino, macios, cheirosos, sexuais. Como acredito que pode ainda ser, e sou.

Mas mesmo em ambientes conservadores, a estética dos pelos nunca me prejudicou. Isso acontece, talvez, por eu ser discreta. Tenho essa característica de personalidade, de ser mais introspectiva. Raras vezes usei minha estética “pelos no suvaco” com o intuito de agredir visualmente alguém. Sempre foi por mim, pelo meu bem estar.

Com certeza, houve olhares pesados, risadinhas, inclusive bullying de amigas de longa data, mas que hoje em dia já lidam de forma totalmente diferente com essa possibilidade estética.  Mas quanto mais a gente se conecta com nosso bem estar, menos as reações das pessoas importam.

Desde então meus parceiros/as a priori já devem ser bem resolvidos com o fato de que buceta cheira a buceta, ser humano tem cheiro de ser humano, adultos têm pelos, e que manipular todos esses fatores é uma escolha que eu dificilmente faço.

Junto com a não depilação aboli também o uso de sabonetes íntimos, perfumes industriais, desodorantes cheios de química nociva, absorventes descartáveis, maquiagem tóxica, cosméticos testados em animais e, dentro das possibilidades, tudo que fizesse mal a mim e ao meio ambiente.

E, não, eu definitivamente não tenho o menor interesse em uma pessoa que espera encontrar um muffin no lugar da minha vulva! (Nada contra quem tenha fetiche por muffins. Risos)

Se algumas pessoas (não só mulheres) estão “ok” com os processos depilatórios e acreditam que vale a pena passar por eles porque se sentem bem com isso, maravilha. É uma escolha.

Mas manter um padrão de autoflagelo mensal para se manter num relacionamento em que o outro não acolhe o teu bem estar, não se dispõe a explorar outras estéticas, sexualidades, formas de existir e muitas vezes não usa o mesmo padrão flagelo-estético para si, acho covarde. Mas é também uma escolha.”

Também tem um desabafo para fazer ou uma história para contar? Então senta que o divã é seu! Envie seu relato para liane.thedim@azmina.com.br

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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