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23 de janeiro de 2023

Cinco mitos e verdades sobre a amamentação

Entrevistei Kely Carvalho, uma das maiores especialistas brasileiras em amamentação, para rebater palpites com ciência

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Capa da coluna de Bruna Escaleira

As mães não têm descanso. Se decidem amamentar em livre demanda, alguém diz que é demais. Se querem desmamar, lá vem outro dizendo que vai traumatizar a criança. Afinal, é possível encontrar informações confiáveis sobre a amamentação em meio a tantos palpites?

Na minha última coluna aqui, em 2022, eu trouxe um pouco da minha conversa com a fonoaudióloga neonatal e consultora de amamentação Kely Carvalho sobre os principais desafios para amamentar no Brasil. Hoje, Kely me ajuda a desmistificar cinco palpites que ouvimos muito por aí. Se prepare pra anotar e partilhar:

“Você é tão magrinha, seu leite deve ser fraco. Dá fórmula pra ela/e.” Existe mesmo leite fraco?

Kely Carvalho: Com todas as letras: não existe leite fraco. Até pessoas em situação de desnutrição podem produzir um leite potente e que nutre o bebê. O que pode acontecer nesses casos de vulnerabilidade alimentar é que a pessoa que amamenta sinta mais o cansaço e o desgaste decorrentes de cuidar de um bebê. Mas a qualidade do leite materno é sempre maravilhosa.

“O leite da mãe é muito levinho, dá fórmula pro bebê dormir melhor.” A fórmula ajuda no sono?

Kely: O leite humano é espécie-específico, feito por humanos para alimentar humanos. A fórmula láctea infantil é um leite de vaca modificado. A fórmula tem muito mais proteína do que o leite humano, e essa proteína de vaca é mais difícil de digerir para o bebê. É por isso que, muitas vezes, o bebê toma fórmula e fica com baixa energia, dormindo muito.

Leia mais: Falta de informação e de apoio profissional são os maiores entraves à amamentação no Brasil

Além disso, o volume do leite humano é muito variável, de acordo com as necessidades da criança e do momento que a família está vivendo. Dificilmente os bebês tiram a mesma quantidade de leite em todas as mamadas no peito. Já com a fórmula, ele recebe a mesma quantidade de leite a cada x horas. Essa quantidade, muitas vezes, é maior do que o estômago comporta. Isso pode deixar o bebê mais empachado, com dificuldade de digestão, fazendo com que ele durma mais. 

Mas ninguém disse que dormir muito é o melhor pro bebê. Na verdade, acordar várias vezes na madrugada é um comportamento normal e esperado para um recém-nascido. Isso ajuda a lactante a manter sua produção de leite, porque há um aumento da prolactina na madrugada e isso vai resultar em leite durante o dia também.

“Mamou até depois de dois anos? Vai ficar traumatizada/o!”

Kely: Trauma não é algo que todos vivem da mesma forma, portanto, não pode ser relacionado a uma atividade específica como a amamentação ou a falta dela. Não existe nenhum estudo que ligue amamentação prolongada a trauma. Aliás, amamentar até dois anos ou mais é indicação da Organização Mundial de Saúde (OMS), da Unicef, da Sociedade Brasileira de Pediatria e do Ministério da Saúde.

“Ela/e tá só te usando de chupeta.”

Kely: Todo bebê nasce com reflexo de sucção, algo que ele não controla e que o faz sugar qualquer coisa que encontre pela frente, seja peito, chupeta, dedo ou mamadeira. Esse é um comportamento esperado nos primeiros meses de vida. Além disso, o bebê precisa praticar a sucção nutritiva para se alimentar e a sucção não nutritiva para se acalmar, dormir e ajudar seu intestino a funcionar.

Leia mais: É possível amamentar sozinha?

Peito é comida, diversão e arte! Então, o que o bebê faz na chupeta, ele deveria estar fazendo no peito. A sucção não nutritiva é muito importante para o desenvolvimento, tanto do ponto de vista orgânico, como emocional.

É claro que a chupeta pode ser oferecida, se a família quiser. O papel do profissional de saúde é orientar sobre os riscos que ela traz para a amamentação. Munida dessas informações, cada família pode fazer sua escolha consciente.

“Leite é amor líquido.”

Kely: Existem mil formas de amar e se relacionar com um filho, e amamentar é uma delas. Amamentar é amor? É também. Mas o relacionamento e o vínculo não se constroem só pela amamentação. Então, esse tipo de discurso pode ser violento e pouco empático com quem não pôde ou não conseguiu amamentar e sofre por isso.

Acho que amamentar no Brasil e no mundo ainda não é uma escolha. Não dá para dizer apenas: “não amamentou porque não quis”. Amor é vínculo, e vínculo a gente constrói no banho, na troca de fralda, no cheirinho, no beijinho, botando para dormir, abraçando, ficando junto, dando colo e também amamentando. Ninguém precisa amamentar para criar vínculo ou dar amor. Mas, se quiser, pode!

Leia mais: Maternidade no capitalismo: nasce uma mãe, nasce um manual

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O Agosto Dourado é oficialmente o mês de luta pelo incentivo à amamentação promovido pela OMS, mas a gente pode falar sobre isso o ano todo porque os desafios para aumentar as taxas de amamentação no Brasil estão longe de acabar. Então, se gostou desse conteúdo, nos ajuda a espalhar, e, se sabe mais dicas que desmistificam os palpites genéricos, manda aqui em contato@azmina.com.br. Vamos conversar!

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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