A saudade da Copa do Mundo de Futebol Feminino começa a bater e a contagem regressiva para o próximo torneio também. Que este Mundial foi um divisor de águas na história da modalidade não resta dúvidas: vários recordes foram batidos, projetos novos puderam ser conhecidos, vozes e histórias mais ouvidas e contadas. A Copa Feminina esteve na TV aberta no Brasil e no mundo, estampou capas de jornais e revistas, espalhou a mensagem pela igualdade de gênero no esporte e mostrou como se luta dentro de campo e fora dele.
Agora, passada a euforia e após conhecer as campeãs, vice-campeãs e terceiro colocadas da oitava edição do Mundial (Estados Unidos, Holanda e Suécia, respectivamente) vale à pena olhar para trás para saber o que funcionou, o que não, o que poderia ter sido melhor e pensar nos próximos passos daqui pra frente.
Apesar de ser a Copa do Mundo de maior impacto na história da modalidade, a falta de visibilidade do futebol feminino segue sendo um dos seus principais problemas estruturais. No Brasil da TV Globo, mesmo com o ineditismo de transmitir os jogos da seleção brasileira e diversificar a equipe de transmissão com mais repórteres mulheres, como por exemplo, a comentarista esportiva Ana Thais Matos, é visível o estranhamento e falta de entendimento do restante da equipe masculina da emissora com uma presença feminina.
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Comentários atropelando a jornalista ou o pouco espaço que Ana Thais teve para comentar alguns jogos da primeira fase incomodaram. Além disso, muitas gafes dos narradores, de todas as transmissões televisivas, sejam na SporTV, na Globo ou na Band, comprovam um outro ponto crucial: a importância de se ter narradoras, pois é só com a presença de mulheres em áreas “femininas e masculinas” que estereótipos de gênero serão quebrados.
A ausência de mulheres em narrações esportivas decorre da falta de interesse em se preparar mulheres para torneios femininos. Se na Copa Masculina de 2018 a Fox Sports anunciou o projeto “Narra quem sabe”, que recebeu mais de 200 narrações femininas nas inscrições, selecionando três delas para narrarem alguns jogos do mundial (Renata Silveira, Manuela Avena e Isabelly Morais foram as escolhidas), justo na Copa Feminina, estes talentos passaram despercebidos e não tiveram oportunidade de voltar para continuar o histórico trabalho que haviam começado.
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O legado da Copa Feminina ainda é intangível e passível de questionamentos, mas não pelas valentes jogadoras e suas seleções, e sim por uma difícil barreira que ainda precisa ser quebrada: o preconceito. Ele começa nas próprias Federações, que pouco incentivam a modalidade, tentam tampar o sol com a peneira, anunciam medidas pouco efetivas ou propostas sem planejamento ou cronograma e ainda mantem as altas diferenças de premiações entre homens e mulheres. A tetra-campeã Estados Unidos, por exemplo, mesmo tendo números de bilheteria e lucro superiores a seleção masculina, ainda recebe cinco vezes a menos do que eles.
Mesmo aumentando as premiações nesta Copa e anunciando novos investimentos e projetos, como fez o presidente da Fifa, Gianni Infantino, o número segue muito baixo no comparativo final. O valor total investido neste ano na Copa Feminina não chega a nem 1% das reservas de cerca de 2,7 bilhões de dólares da FIFA. As propostas apresentadas durante a coletiva de imprensa na última semana são animadoras, porém, incertas, uma vez que não vêm seguidas de metas de planejamento.
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A dona da bola de ouro e artilheira da Copa, Rapinoe (USA), ao ser perguntada sobre as vaias que Infantino recebeu durante a cerimônia de premiação sob os gritos de “Equal pay, equal pay”, (traduzindo, pagamentos iguais) disparou: “Estamos todos cientes disso. Os torcedores querem, as jogadoras querem. Acho que os patrocinadores também. Vamos ao próximo ponto. Como apoiamos as federações e os programas pelo mundo? O que a Fifa pode fazer?” perguntou.
A Federação pretende dobrar as premiações no próximo torneio, o que iria para 60 milhões, porém, mesmo assim seguiria muito atrás dos 400 milhões de dólares destinados à Rússia em 2018.
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A Copa dos recordes de audiência – mais de 50 milhões de telespectadores assistiram o último jogo da seleção brasileira contra França -, a Copa da luta pela igualdade de salários, a última Copa do trio brasileiro Formiga, Cristiane e Marta, que bateu recordes e também protestou com direito a chuteira preta e sem patrocínio da camisa 10, pedindo equiparação salarial. A Copa que ganhou algumas capas de revistas, mesmo que contestáveis, e faltou em outras de jornais.
A Copa de quem desafiou o presidente norte-americano em buscas de melhorias na estrutura para a modalidade. A Copa das goleadas, do choro da diretora tailandesa após a equipe tomar 17 gols e marcar um. A Copa de estreia Jamaicana, com tantas mazelas e problemas sociais. A volta das Hermanas após 12 anos fora de um torneio mundial, em meio à contundente batalha que enfrentam pela profissionalização do futebol no país. A Copa de 9 técnicas entre 24 seleções, com duas delas na grande final. A Copa da seleção brasileira que segue sem representatividade feminina em sua comissão técnica, com apenas uma mulher nesta edição. A Copa que veio para mudar e que precisa disso para que a modalidade siga respirando, vivendo e sobrevivendo.
Até 2023.