Meu pai amava jogar futebol. Amava mais jogar bola do que o próprio futebol. Às quartas-feiras, estacionávamos a bicicleta dele na grade de uma quadra da nossa cidade e descíamos para mais um “racha” – expressão comum para designar partidas de futebol entre amigos.
Amávamos tanto esse programa de pai e filha que, não raro, nessas quartas sagradas que às vezes viravam quartas e quintas, chegávamos antes mesmo da quadra abrir. Desse saudoso tempo que não volta mais guardo boas lembranças na memória que me trouxeram até aqui, quando parei para escrever essa coluna.
Me lembro do vento que sentia no rosto quando estava sentada no cano da bicicleta a caminho do “racha”, do banco descascado e velho em que assistia às partidas sempre sozinha, do refrigerante de garrafa de vidro que ganhava no final e dos olhares duvidosos dos outros peladeiros por uma presença feminina tão constante e vivaz na torcida e naquele local.
Na época, meados dos anos 2000, eu não entendia os olhares e as brincadeiras,
mas o incômodo e a estranheza de uma menina num ambiente masculino já não era difícil, para mim, perceber
Lugar de…
Talvez “porque ali não fosse lugar para mocinhas” e, portanto, era mais esperado que garotas na minha idade (10, 12 anos) fizessem programas às quartas à noite com a mãe ou amigas num ambiente menos másculo.
Não menos importante e em tempo: obrigada, pai e mãe, por nunca terem caído nessa ladainha de que “isso é lugar de mulher e isso não é”.
É engraçado olhar pra trás e lembrar de alguns rótulos que ganhei dessa época. Como torcedora assídua do “Meu Pai Futebol Clube”, virei uma espécie de personagem mirim das quadras de futebol. Quando chegava me faziam um leve carinho na cabeça, abriam sorrisos e me achavam en-gra-ça-di-nha. Certamente, um homem, na mesma idade que a minha, teria um tratamento diferente.
Conviver desde muito nova em ambientes demasiadamente masculinos, como são as quadras de futebol, me fizeram aprender a replicar expressões horríveis, que gritava a plenos pulmões à beira das quadras.
Hoje, 15 anos após carrega-las na memória com certa vergonha, só agora consigo entender a gravidade desse discurso e a necessidade de extingui-lo do vocabulário machista-esportivo que sempre nos assolou.
Por isso, resolvi trazê-las na minha coluna de estreia da Revista AzMina e levantar a questão:
Até quando vamos permitir que homens utilizem expressões machistas no esporte para diminuírem seus adversários nas partidas e, consequentemente, nos diminuir perante a eles?
Questões
Por que a maioria de nós vive com a eterna sensação de que precisamos provar a todo momento que somos tão boas quanto eles em qualquer que seja a modalidade esportiva? Por que mesmo tendo Marta eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo somos obrigadas a ouvir “pé de moça” toda vez que um jogador divide uma bola sem a firmeza requerida?
Por que somos obrigadas a ouvir “joga igual homem” toda vez que um jogador quer irritar seu adversário na partida? Quantas vezes passou na fila da cafonice a expressão “último homem”, usada inclusive quando se trata de futebol feminino?
Por que utilizar “mano a mano” quando dois oponentes se enfrentam em jogada individual em esportes coletivos, se há tantas mulheres no esporte que merecem ser respeitadas em todas as esferas dessa prática?
Para começarmos a esmiuçar e contestar cada atitude e situação machista vividas por nós mulheres no esporte é que nasce essa coluna. Ela vem do amor, da sororidade, do enfrentamento e da promessa de nunca se calar, mesmo que em tempos difíceis. Seguimos nos edificando uma a uma, mana por mana, de mana para mana.
Sem machismo, preconceitos, estereótipos. Vamos juntas virar esse jogo?