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Debate racial não é exclusividade das ciências humanas

Conheça a história de Ana Sanches, que precisou conhecer outras pesquisadoras negras para se manter na carreira acadêmica

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Ana Sanches é uma mulher negra de origens periféricas, veio de escola pública e só acessou o debate científico na fase adulta. Hoje, pesquisa sobre Ecologismos negros, Participação e Mudança Social, Justiça e Racismo ambiental, é Mestra em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) e doutoranda na mesma universidade. Apesar de ter acessado uma universidade particular através das cotas raciais, não entendia que sua existência era possível numa universidade pública. Foi numa aula da graduação que ouviu pela primeira vez o termo “doutorado”, mas não entendeu o que era. 

A compreensão da carreira acadêmica veio com o interesse do irmão em fazer mestrado. A partir dali, buscou informações e se tornou aluna especial da USP, onde hoje é estudante de doutorado. “Aí que eu comecei a entender o drama e a dificuldade que era fazer ciência neste país. Mas eu ainda não tinha nem dimensão e um olhar mais crítico de questionar: quem eram as pessoas que estavam produzindo aquela ciência que eu estava acessando? Esse outro olhar mais crítico veio bem depois”.

Ao entrar no mestrado, em 2015, Ana encontrou um exercício intelectual mais profundo, e teve acesso a leituras e discussões da sociologia, filosofia e ciência política. É nessa experiência que ela fundamenta um conselho, dirigido principalmente a pessoas negras: buscar referências negras e indígenas. “Quando a gente acessa essa forma de intelectualidade, acessamos também uma humanidade na produção intelectual, coisas que eu não tinha na minha época, onde era sempre o homem branco que era a grande referência”. 

Ana Sanches demorou para se sentir cientista, intelectual, porque não se enxergava nos pesquisadores brancos que eram apresentados a ela. “Eu sempre me inspirava em homens brancos, europeus, norte-americanos, ou mulheres brancas. Só consegui me sentir mais pertencente quando acessei conhecimentos, por exemplo, como os de Nego Bispo”.

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Ela considerou desistir da carreira acadêmica, mas mudou de ideia ao conhecer outras mulheres negras que eram professoras e pesquisadoras. “Elas outras narrativas, construindo outras possibilidades científicas. Eu percebi que tinha um lugar para mim”.

Ana comenta que o debate sobre raça não é prioritário em várias áreas do saber, e tende a se concentrar na antropologia e na sociologia, o que é um equívoco. Ela usa como exemplo o racismo ambiental, seu objeto de pesquisa, que trata de como as desigualdades ambientais “recaem em populações racializadas de forma desproporcional”. Nesse cenário, populações negras, indígenas, caiçaras e quilombolas disputam territórios de onde foram expulsas nos processos de colonização e urbanização.

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O racismo ambiental, segundo Ana Sanches, também é representado pela ausência de pessoas negras, indígenas, quilombolas e ribeirinhas nos espaços de poder e tomada de decisão públicos. A pesquisadora coloca o sistema financeiro exploratório, que desconsidera modos de viver, na origem da crise climática. “Ela está acontecendo por conta de um modo de habitar a Terra, um modo de vida capitalista e colonialista. A gente só vai resolver esses sintomas se a gente repensar toda a estrutura”, finaliza.

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