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23 de junho de 2016

Por que a preocupação com as tarefas domésticas é sempre nossa?

Qual a mensagem que meus filhos recebem ao ver que as pessoas mais preocupadas com limpeza e organização somos eu e a moça que trabalha conosco?

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O Divã de hoje é da Carolina Vicentin

ILUSTRAÇÃO: Marcella Tamayo
ILUSTRAÇÃO: Marcella Tamayo

Certa vez, a moça que trabalha na minha casa estava de férias, e nós ficamos alguns dias procurando uma pessoa que pudesse vir dar uma faxina. Quando conseguimos, eu disse ao meu companheiro que ela viria na segunda-feira. Estávamos na quarta-feira e, então, eu pedi que ele passasse uma vassoura no chão. Surpreso, ele me olhou e perguntou: “ué, mas a faxineira não vai vir?”, genuinamente sem entender por que a casa não poderia ficar cinco dias coberta de pó.

A história virou piada entre nossos amigos, mas ilustra bem uma situação que, imagino, se repita na casa de muita gente: a maioria dos homens não “sabe” enxergar a sujeira. Não acho que isso seja um defeito de fábrica, algo relacionado ao cromossomo Y, à evolução humana ou a qualquer outra baboseira biológica. Penso que isso tem raízes culturais profundas e que nós, mulheres do século XXI, ainda precisamos combater.

Eu, assim como a maioria das meninas da minha geração, fui educada para ser livre, independente financeiramente e para cuidar da casa – a minha casa, estivesse eu casada ou não. E isso não me parece ruim. Aos 13 anos, eu sabia fazer coisas valiosas como lavar um banheiro, passar roupa e cozinhar alguns pratos básicos. Aos 13 anos, eu conseguia perceber que precisava fazer a minha parte para garantir que o lugar onde eu morava ficasse limpo.

Não acho que esse tipo de preocupação passasse pela cabeça dos meninos que eram meus então colegas de escola. Essa afirmação é puramente subjetiva, é verdade, mas, em conversas com amigas que dividem a vida com seus companheiros, existe praticamente uma unanimidade: quando o assunto é o cuidado com a casa, a carga pesa mais para o nosso lado.

Já até debati isso com meu companheiro. Na visão dele, temos ideias muito diferentes sobre o que seria uma casa limpa. “Na minha família, ninguém nunca foi muito preocupado com isso”, ele me diz e acrescenta que se considera, no máximo, uma pessoa preguiçosa para fazer as coisas, jamais alguém que reproduz padrões machistas. Pode até ser. Mas, quando vamos visitar os parentes dele, são as mulheres que levantam para lavar a louça depois do almoço.

Talvez eu não me importasse tanto assim com essas coisas não fosse o fato de que agora eu sou mãe. De dois meninos. Embora eu e meu companheiro busquemos passar valores de igualdade para eles e tenhamos praticamente as mesmas responsabilidades – à exceção do peito, que é só meu –, essa história do cuidado com a casa ainda me inquieta.

Crianças aprendem com exemplo e eu fico me perguntando qual a mensagem que eles recebem ao ver que as pessoas mais preocupadas com limpeza e organização somos eu e a moça que trabalha conosco.

Ainda na conversa com meu companheiro, ele sugeriu que eu delegasse mais as coisas, e não apenas saísse fazendo e me sobrecarregando. Sim, foi uma boa ideia. Mas confesso que me incomoda ter que ficar falando o que, na minha cabeça, parece óbvio: lavar a louça, recolher o lixo, arrumar os brinquedos espalhados pela casa, organizar o jantar.

Fazer esse papel também me sobrecarrega e dá a sensação de que as coisas são feitas para me agradar e não pelo bem-estar de todos.

Ainda não tenho a resposta para essas inquietações, tampouco a fórmula para resolvê-las dentro da minha casa. Acho que eu e meu companheiro ainda vamos precisar conversar muito. Meu desejo é que, como resultado, nossos filhos sejam criados não apenas respeitando homens e mulheres, mas também sabendo que são responsáveis pelo ambiente onde vivem, com autonomia e amor.

 

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* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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