Outro dia uma moça mandou-me um direct falando que amava minha coluna, somente sentia falta dos assuntos “mais sérios, acadêmicos, de aprendizado”. Agradeci e pensei que nesses tempos tudo que quero são “assuntos leves”, vídeos de minha sobrinha que nasceu a caducar com todos os bebês das minhas amigas gestantes (esse baby boom de quarentena). Os assuntos sérios vão voltar, não se preocupem! Mas nessa coluna quero dizer para quem me acompanha: eu sei que está difícil e, olha, sei mesmo!
Vou contar minha história dessa quarentena: primeiro minha mãe atravessou a ponte e foi para Terra além dessa nossa, depois teve um incêndio no meu Templo e por causa desse incêndio, tive uma cegueira psicológica. Sim, o mundo sumiu durante uma semana para mim. Depois, meu pai teve depressão por causa da passagem de minha mãe. Hoje ele está em tratamento, mas depressão em idoso é um dia de cada vez, como as músicas lentas que ele tanto gosta de escutar no rádio.
O Templo se reconstruiu e a demanda era (e ainda está) tão grande online e presencial que tive de fazer uma escolhi escolha. “E se deixar metade dos compromissos civis que tenho e ficar somente com o Templo?”. Lógico que tive medo. Em um mundo capitalista, você não ter um emprego com carteira assinada ou passar em um concurso público parece ser um sinônimo de fracasso. Por outro lado, em uma tarde, pensei em todo o sacrifício que muitas que vieram antes de mim passaram e que na verdade, enquanto estava esperando ser o parâmetro de normalidade dos outros, a única normalidade que me cabia era a que não me fazia mal. E um dia deixei muito dos trabalhos que já não me davam prazer e mergulhei nessa jornada.
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Eu tenho fé e crenças, mas não estou falando da fé nas forças da minha religião. Estou falando na fé em mim mesma. Eu passei por todos os períodos nessa quarentena, do luto, do acho-que-to-com-covid-ou-é-só-paranoia, da raiva contra o presidente, de acordar cedo e mega malhar com o aplicativo de academia, de acordar meio dia e comer tudo aquilo que tinha muito doce e muito conservante, arranjei crush, desencantei do crush. Imagine uma colcha de retalho e aí está a minha vida.
Tinha dia que chorava, tinha dia que pensava que era o fim do mundo, e dia, como o primeiro em que peguei a minha sobrinha no colo, que queria que o mundo ficasse lindo. Atendo em média de cinco a seis pessoas online, todas com suas próprias colchas de retalhos, todas com sua própria fé em si mesmas. Tá tudo bem se você tem medo. Tá tudo bem se você tem esperança. Tá tudo bem cada pedacinho de sentimento que existe aí dentro. Nunca se cobre, nunca desista, nunca tenha vergonha do que acontece.
Autocuidado como prática revolucionária – ainda mais no caos
Eu espero te encontrar, mesmo que não seja presencialmente! Espero te encontrar aqui na coluna, nas minhas redes sociais (juro que sou mega legal pra conversar), espero te encontrar nas tuas novas vitórias. E, acredite, não fomos feitos para sobreviver, fomos feitos para viver. Não sou uma otimista tola, sei que em cada pessoa que agora me lê, uma (ou muitas) cicatrizes ficaram dessa Roda da pandemia. Mas a gente ainda existe e resiste! E essa é a arte, essa “estranha mania de ter fé na vida” e que nos faz cada dia acordar, abrir as portas do Templo e perguntar para meu primeiro atendimento: “e então, quais seus desejos para hoje?”. E que possamos ainda ter muitos desejos por essa vida afora…