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8 de dezembro de 2016

“Precisei de mais de dois anos para denunciar o homem que me estuprou”

Denunciei meu agressor às vésperas do fim do prazo que a Lei Maria da Penha me dá, porque precisei de tempo para entender e assimilar o que vivi.

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[fusion_text]O divã de hoje é anônimo.   

“É preciso ser covarde para usar o afeto que uma mulher sente para se aproximar dela, ir a um motel e transar com o braço no pescoço dela. É preciso ser narcisista para se autocriticar por ser “um filho da puta com as mulheres” enquanto goza, cospe e espalha o cuspe pela barriga dela com mão. É preciso ser dissimulado para chamar isso de sexo. Mas é preciso ser humano para entender e reagir ao que aconteceu naquela noite em Campinas.

Passei dois anos e oito meses assimilando o que ocorreu comigo nessa cidade que eu comecei a temer e detestar depois daquilo. A Região Metropolitana de Campinas registrou 640 casos de estupro entre janeiro e setembro desse ano. E EU sou parte dessa estatística.

Cheguei a Campinas em 2012 para cursar doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a realização de um sonho e o final da minha jornada por alcançar o máximo que a Educação pode oferecer a uma pessoa. Conheci ele em novembro desse ano em um bar tradicional do Centro da cidade. Advogado, coordenador de uma das mobilizações mais centrais para a formação da esquerda campineira, todo trabalhado nas causas sociais. No ano seguinte, nos reencontramos durante o Carnaval, nos relacionamos rapidamente, mas ele optou por outro caminho. Num encontro casual, na noite de véspera do meu primeiro retorno pra casa depois de um longo período distante, ele me estuprou.

Perplexa, em choque, surpreendida, fui incapaz de alguma reação. Com o tempo, passei da paralisia para raiva e, com isso, a tramar contra o homem que me feriu. Ele me agrediu da forma mais íntima e depois daquilo, apenas a morte. Era o que eu queria: que ele morresse. Depois pensei em morrer e levar ele junto, mas não há romantismo nisso.

Mudei de cidade, de emprego, de vida, até de país… Nada mudava a dor. Foi assim que cheguei a uma conclusão única: eu precisava falar!

Denunciei meu agressor às vésperas do fim do prazo que a Lei Maria da Penha me dá. Essa legislação magnífica, perfeitamente ajustada à travessia psicológica que uma mulher em situação de violência enfrenta, possibilita a denúncia por danos morais em até três anos desde a data do crime. Mesmo que o prazo criminal de seis meses tenha vencido, faz bem ver esse processo cair numa Vara Criminal – porque, segundo a lei, cidades que não possuem varas especializadas em violência contra a mulher devem julgar tais casos em criminais.

É lindo demais!

É por mim que agora denuncio, mas também é por nós, pela nossa civilidade. É para defender o que eu sou, quem somos enquanto idealistas e humanitários, ou de esquerda, mas também para usar e defender essa lei que mais uma vez está sob ataque no Congresso Nacional.

Sempre foi minha bandeira a segurança psicológica e física como base da vida social, tanto para homens quanto para mulheres; que toda forma de agressão merece ser coagida; que toda diplomacia é maior do que um conflito violento. É minha luta defender a Maria da Penha!

A ele, tenho muito pouco a dizer. Apenas que você é um homem de péssima educação doméstica, confuso e até um pouco burro. Afinal, por pensar ser um príncipe, acredita que qualquer coisa contra você é contra a esquerda campineira. Intocável, acredita que os homens não vão ficar contra você “por causa dessa mulher”. Do alto da Casa Grande, você vê a senzala e escolhe a quem humilhar. Você é como um senhor de escravos, um torturador estuprador do DOI/CODI, um machista nada melhor do que aqueles que você discrimina chamando de “direita” ou a quem chamam de “bolsomito”. Você é um criminoso!

E que por existirem homens de esquerda como você, capazes de construir casas na África por puro marketing pessoal e por se manifestar contra a “cultura do estupro” enquanto vive como um esquerdomacho psicótico, que existem meninas sob ataque que sequer podem denunciar os crimes dos quais são vítimas por medo, insegurança ou exclusão social.

A essas meninas, tenho tudo a dizer: denunciem. A delegada vai te ajudar, assim como me ajudou; as pessoas vão acreditar, porque a formalização é mais do que história contada; os homens serão constrangidos e isso influencia positivamente no comportamento deles; a esquerda vai progredir, porque precisamos falar sobre o machismo na esquerda; você vai revidar com o melhor que existe: você fará justiça!

Homens, tanto de direita quanto de esquerda, sabem que mulheres são pessoas. Eles se orgulham por respeitar as mulheres, não por causar constrangimento a elas. Do contrário, jamais poderiam ser.


Também tem um desabafo para fazer ou uma história para contar? Então senta que o divã é seu! Envie seu relato para helena.dias@azmina.com.br 

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* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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