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8 de setembro de 2016

“Por que naturalizamos comportamentos que associam prazer a punição?”

Ele me xingou e bateu durante o sexo e eu me senti vítima de um ato violento.

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O Divã de hoje é anônimo.  

Foto de Aftab Uzzaman

Nunca fui de sair e conhecer garotos facilmente. Ficar com eles, então… Minha tendência sempre foi fazer amigos e acabar namorando com eles após um bom tempo de convívio. Mesmo depois de mais velha, esse padrão permaneceu. Acho que as coisas começaram a mudar quando melhorei a minha relação com a minha sexualidade, buscando satisfazer-me só e aprendendo a falar sobre sexo com parceiros (ou possíveis parceiros). Então, dei um passo à frente e, diante de um contexto de ‘solteirice’ em um lugar novo, com poucas oportunidades de conhecer pessoas novas, resolvi fazer um perfil no Tinder. E foi aí que a vida colocou esse assunto da punição como forma de prazer diante dos meus olhos.

Com o aplicativo, a intenção nunca foi conhecer alguém especial, apenas conhecer alguém para passar bons momentos e, de uma vez por todas, desassociar amor e sexo (aspecto que, mais além de ser um desejo consciente de emancipação, foi o resultado de uma crescente insatisfação com a forma das relações que tinha vivenciado até então). Pois bem, depois de um tempo de adaptação a esse novo instrumento, encontrei-me com um rapaz. Tudo correu bem e, mesmo eu não gostando de algumas coisas que me falava em certo tom de brincadeira, estava tudo bem uma vez que não era para ser algo duradouro.

Certa noite, quando estava dormindo na casa dele, ele sussurrou em meu ouvido “puta, puta, puta” e mais algumas coisas que não consegui entender. Pensando que ele estava dormindo, não falei qualquer coisa naquele momento. Na manhã seguinte, com alguma vergonha de repetir o que ele havia dito, apenas indaguei-o sobre o que me tinha dito no ouvido. Ele só disse que não se lembrava. Agora me parece mais estranho eu sentir vergonha em repetir o que ele me disse a ele dizer que não lembrava…

Na vez seguinte em que fizemos sexo (a terceira vez, diga-se de passagem), além de me chamar de “puta”, o rapaz me deu tapas na cara sem que eu lhe pedisse. Continuei transando, mas com uma sensação de desconcerto, já que me senti como em um filme pornô sem ter sido avisada. Terminamos e perguntei por que havia se referido a mim daquela forma. Já não lembro exatamente o que ele disse e em nossa conversa deixei claro que não gostava de ser chamada daquela forma.

Não me incomodava o que a palavra “puta” significava e sim como ela é usada em nossa sociedade, sempre uma forma de querer depreciar uma mulher. Atualmente, ninguém elogia uma mulher chamando-a de “puta”, por isso entendi a fala dele como uma tentativa de me agredir ou rebaixar.

No dia seguinte isso seguiu em minha cabeça, como se eu estivesse processando o ocorrido. Nunca um homem havia me tratado daquela maneira na cama e aquilo mexeu comigo. Após conversar com alguns amigos e pessoas próximas, resolvi cortar relações com o rapaz. Apenas enviei-lhe uma mensagem que não havia gostado do ocorrido e que não confiava nele, então nunca mais nos veríamos.

Demorei um tempo até entender o tamanho do efeito daquele episódio em mim. Para algumas pessoas, foi simplesmente uma questão de gosto, uma incompatibilidade entre o que cada um gosta na hora do sexo. Outras acharam que aquilo era um indício de violência e sadismo, afinal eu não havia pedido nem o tapa nem o xingamento. O ponto é que passei a refletir porque ser xingado poderia excitar alguém. Ok, em termos de sexualidade e prazer há, se não de tudo, de quase tudo; e o ser humano pode ser estimulado de muitas formas. No entanto, como não considerar um ato de violência denegrir outra pessoa e sentir prazer ao fazê-lo?

Para mim, era preciso olhar aquilo de uma maneira mais global.  Será que não estamos aprendendo e ensinando formas de prazer que reforçam relações abusivas e machistas?

Minhas reflexões me levam a concluir que sim, estamos num caminho disfarçado de liberdade porém muito longe de superação.

Não, não me choquei com a sensação de “estar num filme pornô”, nem com me deparar com um gosto diferente. Apenas me senti agredida, me senti vítima de um ato violento em que a outra pessoa, que deveria ter e dar prazer tanto quanto eu, simplesmente achou que me denegrir seria bom naquela situação.

Eu sei, para muitas e muitos é apenas questão de falta de tato do cara de não ter me consultado sobre o que eu gostava ou não; entretanto acho que vale uma reflexão além da subjetividade individual. Peço que vá além do que te dá prazer ou não, dos seus fetiches individuais, e reflita. Se aprendemos as formas de gostar, de amar, de respeitar, enfim, de nos relacionarmos com as outras pessoas ao redor, no ato sexual somos só desejos individuais ou reproduzimos o que aprendemos e vimos como referência de prazer? Num mundo em que as mulheres já são punidas por serem mulheres, por que naturalizamos seu comportamento de associar prazer e punição? Tantas perguntas…

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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