Fiquei extremamente abalada ao ler a notícia que um jovem chinês com deficiência morreu em janeiro após ter sido deixado sozinho em casa enquanto a família ficou isolada em um hospital de Hubei, na China. Segundo o jornal Beijing Youth Daily, de Pequim, Yan Cheng, de 17 anos, ficou seis dias sozinho em casa. Ele morava com o pai e o irmão, ambos isolados em um hospital com suspeita de estarem com o novo coronavírus.
Em tempos de pandemia, a pessoa com deficiência é uma população sujeita a maior risco, sobretudo, em razão das fragilidades físicas, notadamente aquelas que resultam em insuficiência e/ou dificuldade respiratória. Pessoas com condições genéticas ou neurológicas que tomam remédios específicos também têm restrições respiratórias ou dificuldades profundas de comunicação, precisam ser monitoradas com atenção redobrada.
Eu nasci com Osteogenesis Imperfecta, uma deficiência física que não absorve o cálcio nos ossos, os deixando extremamente fracos. E dependendo do tipo e grau traz outras dificuldades, como problemas de visão, audição, tamanho do corpo e comprometimento dentário. A minha caixa torácica é menor e os ossos da costela comprimem os pulmões, por isso tenho um medo gigantesco de contrair o coronavírus.
Justamente para evitar ao máximo o contato em ambientes de maior risco, eu fui obrigada a cancelar consultas e exames importantes, como densitometria óssea, além de deixar de fazer natação, a única atividade física que eu consigo realizar sem impacto nos meus ossos fracos. Por isso, procuro manter a forma, evitando ganhar peso e faço alongamento dentro de casa, mas, com certeza, a demora na retomada das minhas atividades acarretará prejuízos para minha saúde.
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E, além disso, caso não tivesse condições sócio-econômicas, familiares e amigos que me ajudam, com certeza estaria sofrendo muito mais, não apenas com o distanciamento social, mas principalmente com a falta de recursos básicos de sobrevivência.
Se em países com melhores condições econômicas, as pessoas com deficiência morrem por serem excluídas, como fica a situação de quem tem deficiência no nosso país, o sétimo mais desigual do mundo? Lavar as mãos? Como, se nas favelas e regiões periféricas, onde vive a maioria das pessoas com deficiência, não há água? E quem vai ajudar fisicamente as pessoas com deficiência que vivem em instituições a manterem a higiene se o número de cuidadores diminuir (por terem sido contaminados)? E como ficarão as famílias que dependem do sustento de profissionais com deficiência, se eles não conseguirem trabalhar de dentro de suas casas?
Faltam políticas públicas
Segundo o IBGE, das 45,6 milhões de pessoas que possuem alguma deficiência (física, visual, intelectual, múltipla, mental, surdocegueira e auditiva) no país, 25,8 milhões são mulheres e 19,8 milhões são homens. Até agora as pouquíssimas medidas dos governos municipais, estaduais e federais para proteger e atender essa população em relação à covid-19 ainda não saíram do papel, e ninguém sabe como está a REAL situação das pessoas que vivem em instituições. Fato assustadoramente preocupante!
Em 2016, segundo o então Ministério do Desenvolvimento Social, havia 5.078 crianças e 5.037 adultos com deficiência vivendo em instituições no Brasil. O risco de contaminação ao coronavírus pode aumentar significativamente caso todas as medidas de prevenção não sejam tomadas por um único funcionário ao entrar na instituição.
Sem esquecer a esmagadora vulnerabilidade da maioria de quem depende de cuidados básicos (tomar banho, cuidados médicos, troca de roupa de cama, abrir ou fechar uma janela, coçar o nariz, trocar curativos, limpar aparelhos de respiração ou alimentação via sonda). Também sofrem mais agora devido a falta de visitas dos parentes ou amigos, o que prejudica sua saúde mental.
Pouquíssimas ações dos governos foram tomadas para evitar a propagação do vírus dentro destes abrigos. Segundo o jornal Correio Braziliense, desde 14 de abril, a Promotoria de Justiça da Pessoa com Deficiência, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, cobra que a Secretaria de Desenvolvimento Social desenvolva um plano de ação para prevenção e tratamento de pessoas com deficiência abrigadas em instituições públicas ou conveniadas com suspeita ou confirmação de infecção pela Covid-19.
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Apagamento social
Deborah Prates, advogada cega feminista, presidente da Comissão da Mulher do Instituto dos Advogados Brasileiros, alerta para o apagamento social das pessoas com deficiência no Brasil, caso as declarações de maior vulnerabilidade em relação a covid-19, feitas pela Organização das Nações Unidas, em março, não sejam levados a sério.
“A pessoa com deficiência, em inúmeras vezes, precisa do contato com o próximo para vencer os vários obstáculos que a sociedade coloca na sua frente, e é nessa hora que o apagamento social fala mais alto, já que a coletividade nega o outro diferente, no caso com deficiência”, explica Deborah em artigo no portal Justificando.
Deborah enfatiza também que é imprescindível que as pessoas com deficiência sejam testadas, bem como feitos exames de imagens. Ela ressalta que “os profissionais de saúde, na sua maioria esmagadora, desconhecem as peculiaridades de cada deficiência, sendo que muitas acarretam o comprometimento dos pulmões, valendo dizer que se agravam com o coronavírus. Por isso, as pessoas com deficiência jamais poderiam ser devolvidas para casa com a recomendação de que esperem agravar as situações. A vacinação deve ser feita a domicílio como é disponibilizada para os idosos e outros grupos igualmente vulneráveis e sem burocracia”.
Situação de pobreza
Já Izabel Maior, mulher com deficiência física, especialista em medicina física/reabilitação e ex-secretária nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, destacou em entrevistas recentes que 70% das pessoas com alguma deficiência estão em uma situação social de pobreza. Além disso, 60% das pessoas com deficiência estão acima dos 50 anos, portanto, dentro de dois grupos de risco.
Segundo Catalina Devandas, Relatora Especial sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, a gravidade do risco de contaminação é muito maior para as pessoas com deficiência que vivem situação de vulnerabilidade em instituições, casas de repouso, estabelecimentos psiquiátricos, prisões, favelas e periferias. Para ela, “limitar o contato com seus entes queridos deixa as pessoas com deficiência totalmente desprotegidas frente a qualquer forma de abuso ou negligência principalmente em instituições”.
Para Catalina, também deve ser permitido às pessoas com deficiência trabalharem de sua casa ou receber licença remunerada para garantir a seguridade de sua renda. Seus familiares e cuidadores necessitam destas medidas para prover o apoio necessário durante a crise. “Muitas pessoas com deficiência dependem de serviços que foram suspensos, ou não têm os suficientes recursos para fazer reservas de alimentos e medicamentos ou pagar os custos adicionais das entregas em domicílio”, explica.
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A relatora também enfatizou que as pessoas com deficiência devem ter a garantia de que sua sobrevivência seja considerada uma prioridade, e determinou aos Estados Partes a estabelecerem protocolos para emergências de saúde pública a fim de assegurar que, quando os recursos médicos estiverem limitados, não se discrimine as pessoas com deficiência no acesso à saúde, incluindo as medidas para salvar vidas!
Infelizmente, não é isso o que acontece e temos visto exemplos disso. Em Minnesota, nos EUA, as pessoas que sofrem de cirrose hepática, doenças pulmonares e cardíacas são excluídas do direito a um ventilador em terapia intensiva. No Tennessee, pessoas com atrofia muscular espinhal também são excluídas dos cuidados intensivos.
Necessidade de medidas urgentes
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por intermédio da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, encaminhou no dia 8 de abril, ofício ao Ministério da Saúde solicitando a adoção de medidas específicas para o atendimento de pessoas com deficiência em meio à pandemia de coronavírus. O pedido enfatiza ser urgente o reforço e a implementação de medidas para garantir o direito à saúde e tratamento prioritário desse segmento social.
Isso porque “não estamos no mesmo barco”. As sábias, contundentes e necessárias palavras de Deborah Prates, tocam a minha alma e resumem o que também penso sobre a gritante vulnerabilidade que as pessoas com deficiência, em especial as pobres, vivem hoje:
“Não estamos no mesmo barco como algumas vozes, filosoficamente, insistem em afirmar. Não. Concebo a ideia de que podemos estar no mesmo mar. Porém, tem pessoas que flutuam em um transatlântico, já outras em navios menores, ou em iates, balsas, jangadas, botes e, por fim agarradas em troncos e/ou galhos que flutuam. Com certeza as pessoas com deficiência têm as suas mãos agarradas nestes últimos e serão as primeiras a morrerem na primeira onda mais forte. Estas vivem, em sua grande maioria, nos bolsões de extrema pobreza. Os oprimidos carecem de unir as suas vozes para que ecoem e sejam ouvidas. Quebrar o silêncio se faz preciso e com urgência. Ninguém é superior a ninguém em decorrência dos estereótipos diversos”.
Para saber mais sobre as pessoas com deficiência e coronavírus:
– Pessoas com deficiência são mais vulneráveis ao coronavírus
– Médico paraplégico trabalha na linha de frente ao coronavírus
– Pessoas com deficiência relatam a rotina nos tempos de Covid-19
– Pessoas com deficiências criam rotinas de cuidados para usar as mãos durante a pandemia