logo AzMina
23 de setembro de 2016

“Nem sempre me enxerguei como bissexual”

Muitas pessoas ainda tendem a acreditar que as pessoas ou são héteros ou homossexuais, que tem de escolher ou se encaixar aqui ou ali. E eu demorei para perceber que não é assim.

Nós fazemos parte do Trust Project

O Divã de hoje é da nossa produtora de moda Babi Bowie. 

bi

Lembro que no primário tinha uma menina que eu admirava muito. Amava o cabelinho preto dela e seu jeito de falar, que fazia todo mundo parar para ouvi-la. Uma vez até fiz um poema para ela. E era tão bonita e engraçada que queria sempre ficar perto dela. Já no ensino médio me apaixonei e namorei o menino bonito da banda da escola.
Nos filmes, nas novelas, sempre o que se via eram casais héteros, nas revistas, livros, jornais e outros tantos meios de comunicação só contavam histórias entre casais de homens com mulheres. E na família sempre tinha o famigerado momento: “e os namorados?”. Na adolescência, nas festinhas da turma do colégio, beijava os meninos e beijava as meninas. E quando beijava as meninas era uma coisa natural, não sentia que estava fazendo nada de errado ou que não queria, era apenas um beijo. Na maioria das vezes via como brincadeira, me deixava levar pelo calor do momento e pela bebida que já estava fazendo efeito. Mas seguia namorando meninos e me apaixonando pelo mais tímido da boyband do momento.
Nessa, entre os corredores do colégio surgiam algumas dúvidas entre os colegas e sempre algum me perguntava: “Você é bissexual” e eu sempre respondia, “sei lá, não ligo pra isso”.
Não parava muito para pensar se era bi ou não. Naquela época esse questionamento para mim não era importante. Mas achava que não era bi, pois vivia tendo um rolo ou algo mais sério com algum menino. Sempre com meninos. E eu me apaixonava por garotos, dessas paixões fortes que faz sofrer ou desses amores de querer para sempre. E gostava do sexo. Logo sou hétero não é?
Beijar e namorar meninos era o “natural”, o universal, o “normal”. E por aí fui seguindo a maré, no rumo da sexualidade padrão como todos gostam de ver.
Até que um em certo momento, com uns anos a mais e outra cabeça, comecei a repensar que aquela admiração por outras meninas, aquela vontade de ficar perto não era uma coisa apenas de amigas. Era uma paixão e que só depois fui entender. Mas e aí sou lésbica? Será que sou lésbica e não quero admitir? Mas e o que vivi com os garotos e o desejo por garotos que ainda existe?
Há um apagamento sobre os bissexuais. Muitas pessoas ainda tendem a acreditar que as pessoas ou são héteros ou homossexuais, que tem de escolher ou se encaixar aqui ou ali.
E esse apagamento não vem somente dessa leitura. Mas também vem de uma construção social que nos empurra a vida inteira para a heterossexualidade. Somos bombardeados por todos os lados com representações heterossexuais em todos os lugares. Ser hétero na nossa sociedade não é só um padrão, é quase uma obrigação. Nossa sexualidade bissexual é abafada e muitas vezes acabamos nem nos descobrindo bissexuais. Como a norma social é mulher gostar de homem e vice-versa, nós bissexuais nos adequamos ao que a sociedade espera. E não somos apenas empurrados para a heterossexualidade, como também somos moldados desde a infância para desejar ser heterossexual.
Esse apagamento, próprio dos mecanismos da heterossexualidade compulsória, também acontece com as lésbicas e os gays. Especialmente com mulheres lésbicas, de serem empurradas a uma identificação com a bissexualidade. Mas com relação a nós bis, existe essa questão de um preconceito que, embora não seja exclusivamente vivenciado por nós, muitas vezes temos que lidar com taxações, até dentro do próprio meio LGBT, que nos colocam como indecisos, promíscuos, incapazes de fidelidade, etc. Sendo que isso não tem nada a ver com a sexualidade em si.

Hoje sou uma mulher, feminista, que busca compreender e combater os mecanismos da heterossexualidade compulsória e me reconheço como bissexual. Acredito que se entender bissexual é um processo, é um descobrir-se. E esse processo de descobrir-se pode ser doloroso, intenso, leve ou gostoso. Mas não deixa de ser importante.

Hoje namoro outra mulher, que amo muito e me sinto muito feliz e completa. Tudo que vivi nos meus relacionamentos héteros foi muito real, assim como nos relacionamentos lésbicos. E posso dizer por mim e com todas as letras que eu gosto e me sinto atraída pelos dois.
Não deixamos de ser bissexuais estando em um relacionamento hétero, também não deixamos de ser se estamos em um relacionamento homo.
Bissexualidade não é uma fase ou um estado de espirito, é mais uma sexualidade como as outras.
Escrevo esse “Divã” por além de ser o mês da visibilidade bissexual, ocorreu um fato inesperado na semana passada. Uma pessoa próxima me olhou nos olhos soltou e a seguinte afirmação: “Bissexuais não existem!”. E assim como eu disse para ela, digo para todos: nós existimos!
Por mais que eu sinta que esteja falando o óbvio ainda é preciso dizer: EXISTIMOS SIM. Não estamos indecisos, não estamos confusos. Não estou numa fase, não sou metade lésbica, metade hétero. E cansei de ter minha sexualidade em cheque e dela ser deslegitimada.
Mesmo eu que tenha demorado para me descobrir e ter essa certeza, posso dizer pra quem tem dúvidas sobre a existência desses unicórnios: olha, nós existimos e estamos aí! E não somos poucos.
* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Faça parte dessa luta agora

Tudo que AzMina faz é gratuito e acessível para mulheres e meninas que precisam do jornalismo que luta pelos nossos direitos. Se você leu ou assistiu essa reportagem hoje, é porque nossa equipe trabalhou por semanas para produzir um conteúdo que você não vai encontrar em nenhum outro veículo, como a gente faz. Para continuar, AzMina precisa da sua doação.   

APOIE HOJE