
Imagine uma sociedade na qual a mulher casada é legalmente incapaz de fazer certas coisas, sendo equiparada aos menores de idade e pessosa com deficiência intelectual. Ela necessitaria da autorização do seu marido para exercer diversas atividades, inclusive a de ter uma profissão e receber uma herança. Quanto aos filhos, o exercício do pátrio poder é exclusivo do marido e a esposa pode assumir a responsabilidade sobre eles apenas se ele estiver impedido por doença, morte ou ausência temporária. Na figura de chefe da sociedade conjugal, o marido é administrador dos bens da mulher, sendo obrigado a sustentá-la até que haja o abandono do lar, ocasião na qual o juiz pode, em proveito do marido e dos filhos, sequestrar os bens particulares da mulher.
Situação absurda? Para nós, certamente. Mas nossas avós casadas – e talvez até nossas mães – eram consideradas, por lei, incapazes de gerir a própria vida e a de seus filhos. Nesse período, a mulher casada não possuía sequer capacidade plena para os atos da vida civil, tampouco as não-casadas ou mães solteiras tinham os seus direitos assegurados.
Essa era a realidade da mulher brasileira até 1962, quando o Estatuto da Mulher Casada conferiu uma emancipação parcial à mulher, devolvendo-lhe sua plena capacidade e atribuindo-lhe a condição de colaboradora na administração da família. Apesar do caráter conservador e patriarcal da sociedade na época, o marido deixou de ser o chefe absoluto da sociedade conjugal. Desde então, a mulher pode optar por ser economicamente ativa sem autorização do marido. Ela passou a ter direitos sobre os seus filhos, compartilhando o pátrio poder, inclusive com a possibilidade de requisitar a guarda em caso de separação – até então, em caso de desquite judicial, os filhos menores ficavam com o cônjuge “inocente” e os filhos maiores de seis anos eram entregues ao pai (os filhos até seis anos e as filhas de todas as idades ficavam com a mãe).
Em seguida, a Lei do Divórcio, aprovada em 1977 previu, pela primeira vez, a dissolução do matrimônio – que antes ocorria apenas após a morte de um dos cônjuges – e trouxe alguns avanços em relação à mulher casada. Pelo princípio da equidade, foi estendido ao marido o direito de pedir pensão, que antes só era assegurado à mulher “honesta e pobre”. A partir de então, o cônjuge responsável pela separação judicial pagaria ao outro a pensão alimentícia, caso fosse necessário. Ocorrendo a separação judicial, os filhos menores ficariam com o cônjuge inocente. Porém, se ambos os cônjuges fossem culpados pela separação, os filhos menores ficariam em poder da mãe, salvo se o juiz verificasse que de tal solução poderia acarretar prejuízo de ordem moral para os filhos.
Mas foi a Constituição Federal de 1988 a responsável pela maior reforma já ocorrida no Direito de Família. Além da igualdade de todos perante a lei (garantida no artigo 5º), pela primeira vez foi reconhecida a igualdade entre homens e mulheres, em direitos e obrigações (inciso I do artigo 5º). Nossa Carta Magna afirma, de forma justa, que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (§ 5º do art. 226). Outro grande avanço foi o reconhecimento como entidade familiar não só a família constituída pelo casamento, mas a união estável entre o homem e a mulher e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226).
O Código Civil de 2002 reafirmou o preceito constitucional de que o casamento é baseado na igualdade de direitos e deveres do cônjuge. Nesse sentido, ambos são responsáveis pelos encargos da família e os cônjuges separados devem contribuir para a manutenção dos filhos na proporção de seus recursos financeiros.
Rompendo com todas as disposições discriminatórias de gênero, o novo Código Civil atendeu aos anseios feministas e eliminou qualquer tipo de submissão legal da mulher ao seu marido. A mulher casada, finalmente, não estava mais sob o jugo do marido e caso decidisse se separar não perderia o direito sobre seus filhos ou sobre sua propriedade, caso fosse configurado o abandono de lar.
As alterações legislativas quanto a um tema polêmico geralmente ocorrem após a consolidação dessa nova opinião na sociedade. A equidade de gênero sempre foi, e continua sendo, matéria de debates acalorados e infindáveis, afinal, a sociedade brasileira ainda tem resquícios de uma cultura machista e patriarcal. Dessa forma, a igualdade de direitos entre homens e mulheres no matrimônio, do direito à pensão e ao poder familiar sobre os filhos – denominação que substituiu o nome “pátrio poder” no Novo Código Civil para consolidar a ideia de que tal poder deve ser exercido, conjuntamente, pelos pais – apenas foram incorporados ao nosso ordenamento jurídico quando a própria sociedade já clamava por esses direitos.
Quanto à guarda dos filhos, o Código Civil de 2002 determinou como regra a guarda unilateral, na qual um dos genitores fica com o encargo físico do cuidado dos filhos, cabendo ao outro o direito de visitas. Apesar desse tipo de guarda não prever a diminuição do poder familiar nem do pai nem da mãe – ambos continuam responsáveis pelos filhos –, os pais, que hoje notavelmente participam cada vez mais na criação de seus filhos, clamaram pela alteração legal e a guarda compartilhada tornou-se a regra, a partir de 2008. A guarda compartilhada significa a co-responsabilidade do dever familiar, ou seja, os pais separados participam de modo igualitário da guarda dos filhos, dividindo direitos e deveres.
No ano de 2008 foi sancionada a lei que confere à mulher direito à pensão desde a gestação (Lei nº 11.804/2008), chamada de “alimentos gravídicos”. Quer dizer, a mulher passou a ter direito a receber do pai da criança um valor suficiente para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. Os alimentos gravídicos perduram até o nascimento da criança e, após o seu nascimento com vida, eles serão convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.
Com o objetivo de concretizar o princípio constitucional da igualdade, os tribunais superiores brasileiros têm se posicionado de forma inovadora. De acordo com o artigo 1.694, do Código Civil, a obrigação de pagar pensão é recíproca, ou seja, pode recair tanto sobre homens quanto sobre mulheres, dependendo das necessidades daquele que pede o benefício e dos recursos daquele que é obrigado a pagá-lo.
Apesar de não existir nenhuma lei específica sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça entende que a obrigação de pagar pensão é uma exceção à regra, incidente apenas em caso de dependência ou carência e por tempo limitado. Portanto, a jurisprudência do STJ consolidou o entendimento de que tanto o homem quanto a mulher sejam independentes financeiramente.
A evolução da legislação quanto aos direitos da mulher nas três últimas décadas foi substancial, mas não foi suficiente para garantir a efetiva igualdade de gênero. Não apenas no âmbito familiar, a mulher ainda luta por direitos básicos, como por exemplo, ganhar a mesma remuneração recebida pelos homens, ocupar cargos de direção em igualdade de condições com os homens, não sofrer assédio sexual e assédio moral no seu ambiente de trabalho, não sofrer assédio na rua, etc.
Infelizmente, as transformações jurídicas não são suficientes para assegurar a igualdade social, política e econômica entre homens e mulheres. Hoje, a maioria dos direitos são garantidos por diversos instrumentos legais, porém, as mulheres brasileiras continuam sendo discriminadas, violentadas – psicologicamente e fisicamente – menosprezadas e inferiorizadas. Neste contexto, a responsabilidade pela efetiva igualdade é nossa, mediante a destruição definitiva da cultura machista e renovação da estrutura social, conferindo à mulher a sua devida posição: exatamente igual à que homem ocupa.