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1 de março de 2017

Será que o goleiro Bruno deveria ser solto?

Apesar da liberdade estar de acordo com a lei, fica a dúvida: o benefício seria o mesmo se ele fosse pobre e desconhecido?

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Desde a semana passada a concessão da liberdade ao ex-goleiro Bruno tem sido objeto de indignação e críticas fervorosas. Em que pese a sua condenação em 2013 a mais de 22 anos de prisão, em regime fechado, por homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver de Eliza Samudio, além do sequestro e cárcere privado do filho que teve com Eliza, a partir de agora Bruno responderá ao processo em liberdade. A decisão liminar foi proferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio de Mello.

Como essa liberdade é possível se ele já foi condenado? Neste caso a concessão liminar da liberdade é possível, mas poderá ser revista pela Corte do STF. Bruno estava preso preventivamente desde 2010, ou seja, tratava-se de uma prisão cautelar que pode ser revogada a qualquer tempo, desde que falte motivo para que ela subsista. Portanto, o goleiro ainda não estava cumprindo a pena pela qual foi condenado, mas apenas segregado cautelarmente diante da existência dos requisitos da prisão preventiva.

Bruno não irá cumprir a pena de prisão 22 anos e 3 meses de prisão? Primeiro é importante esclarecer que a pena será efetivamente cumprida, a priori, após a condenação em segunda instância, de acordo com o novo entendimento do STF. A pena inicialmente imputada ainda poderá ser alterada em sede recursal, porém não será cumprida integralmente no regime fechado em virtude das previsões legais de progressão de regime (fechado para semiaberto e semiaberto para o aberto), desde que preenchidos os requisitos legais.

Bruno cometeu um feminicídio, então a pena dele será mais grave? O fato ocorreu no ano de 2010 quando o crime de feminicídio ainda não era tipificado no Código Penal. No nosso ordenamento não há possibilidade da lei retroagir para prejudicar o réu. Sendo assim, Bruno não responde por feminicídio – no caso em análise homicídio qualificado da mulher no contexto de violência doméstica –, mas foi condenado por homicídio triplamente qualificado pelo motivo torpe, pelo emprego da asfixia e pelo recurso que dificultou a defesa da vítima, além dos demais crimes.

A decisão do ministro foi correta? A análise dessa questão deve ser objetiva. Cabe esclarecer que o ministro Marco Aurélio possui um perfil garantista – sustenta a prevalência dos direitos fundamentais e a limitação do poder estatal – e suas decisões geralmente são contramajoritárias e polêmicas. Por exemplo, ele foi o único ministro a votar a favor de um habeas corpus a Suzane Von Richthofen, a famosa jovem de classe média-alta paulista que foi condenada pela morte dos pais, com a ajuda do namorado e do cunhado.

Na decisão a favor de Bruno, o ministro Marco Aurélio sustentou que “o clamor social” seria insuficiente para respaldar a prisão preventiva. Esse argumento está pacificado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. O clamor social não se confunde com a garantia da ordem pública – um dos fundamentos da prisão preventiva que objetiva evitar que o agente continue delinquindo no transcorrer da persecução criminal. Considerando a ausência dos requisitos da prisão preventiva e o fato de que Bruno já estava preso preventivamente há 6 anos e 7 meses, o ministro entendeu que a manutenção da prisão seria injustificável.

Ninguém questiona que os crimes foram perversos. Ninguém questiona que assisti-lo sair pela porta da frente do presídio causa indignação. Mas a decisão está correta de acordo com a legislação e a jurisprudência. O ministro Marco Aurélio aplicou a lei ao caso concreto e não há nenhuma ilegalidade na decisão. Apesar da concessão da liberdade, Bruno foi condenado e cumprirá sua pena mais cedo ou mais tarde. Mas, resta uma dúvida: Bruno teria obtido a liberdade se fosse pobre e desconhecido?

A maioria dos presos provisórios brasileiros está detida por prazo superior à duração razoável do processo (60% estão custodiados há mais de 90 dias), de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Majoritariamente negros e pobres – muitos não tem advogado particular ou sequer atendimento jurídico, poderiam cumprir penas restritivas de direitos e também aguardar o processo em liberdade assim como Bruno. Ora, não podemos ignorar que se os presos provisórios fossem “Brunos”, com todas as suas condições financeiras, fama e advogados caros, muitos já responderiam o processo em liberdade. Então, não adianta bravejar que “a lei só favorece o bandido” quando na verdade a lei só é lei para os ricos. Que seja para os pobres também.

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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