logo AzMina
22 de setembro de 2016

“Descoberta não. Reconhecimento bissexual!”

Costumo dizer que sou bissexual desde que comecei a experimentar a sexualidade, apenas precisei de algum tempo para me perceber e me permitir sentir o que sinto

Nós fazemos parte do Trust Project

O Divã de hoje é da Ana Terra Grammont, membro do organizativo da Primavera Bissexual. Sabia que dia 23 é o dia da visibilidade bi? Confira todas as atividades que vão rolar na página do coletivo.

bi

Minha história sempre foi cheia de pontos fora da curva. Não seguia as normas, não exatamente por escolha, mas porque assim acontecia, mesmo. Costumo dizer que sou bissexual desde que comecei a experimentar a sexualidade. Já convivia com gays, mas sempre pessoas de outra geração, amigos da família. Era uma realidade distante, até eu conhecer as pessoas da minha idade, quando me percebi determinada a ter relações também com mulheres.

Com 15 anos disse ao meu então namorado que um dia gostaria de ficar com uma garota e ele me respondeu ter nojo dessa situação. Fiquei indignada. Eu nunca havia me relacionado com uma, não fossem os selinhos que surgiam entre as amigas, em momentos de descontração e demonstrações de carinho. Esse comentário parece ter me cutucado de tal forma que o senti como uma afronta. Se eu viesse a sentir atração por mulheres, homem nenhum me impediria de viver esse desejo.

O tempo passou.

A convivência com um amigo que à época começava a encontrar sua turma, se permitindo perceber-se atraído por homens e a buscar outras pessoas para sair e se relacionar, fez com que eu percebesse que algumas mulheres me atraíam. Não qualquer uma, aquela que “só de olhar, já dá pra dizer que é lésbica”, coisas do meu radar que eu ia desenvolvendo. E nesse processo, nunca questionei se meu desejo por homens era verdadeiro, ou se eu não era uma farsa: pra mim, era tudo bem orgânico e fluía.

Até que numa noite, aos 17 anos, mãe e irmã viajando, festinha em casa, 6 amigos, verdade-ou-desafio, gato-mia, amigos vão embora, amiga-do-colégio dorme em casa. Dormimos juntas. É de manhã, aulas no colégio, terapia à tarde. A dúvida: afinal de contas, o que eu sou?

Não era uma pergunta cruel, autopunitiva ou coisa assim. Era uma dúvida sincera. Resultado da maldita cultura normativa. Eu precisava me entender e saber o que estaria mudando na minha vida a partir daquele momento. Nunca tinha nenhum pudor em contar nada ao psicólogo, no entanto naquele dia, eu lhe contava com detalhes minha deliciosa experiência com as mãos no rosto, tamanho o meu embaraço pela situação.

O que eu sou, afinal?

Essa genuína questão não me atormentou por muito tempo, aliás, ela só de fato existiu, porque eu sabia que minha história com mulheres não se resumiria àquela noite. Tomei a iniciativa, dominei a situação e gostei muito do que havia acontecido. Por frações de segundo, me perguntei se seria lésbica, por ter tido uma bela experiência, mas não precisou muito para eu ver que isso não fazia sentido. Todas as minhas relações com homens até aquele momento haviam sido igualmente legítimas, não estive com eles por uma imposição social e isso eu o tinha claro. O que eu precisava sentir para me considerar bissexual? Não era para dar satisfação a ninguém, além de a mim mesma. Podem achar sorte, de qualquer maneira é uma vantagem o hábito e a facilidade com que eu sempre me autoanalisava e buscava me conhecer. Uma coisa eu tinha certeza: não era hétero.

Passional que sou, encontrei meu próprio critério! Vi que poderia me envolver e me entregar de corpo e alma, afetivo-sexualmente com qualquer pessoa que se conectasse comigo, independente se fosse mulher ou homem e isso bastava para eu me identificar como bi.

Não a quantidade de parceiros e parceiras em igual frequência, não a atração exatamente na mesma medida pelos dois, mas a abertura e a possibilidade de vir a me apaixonar por essas pessoas.

Depois disso, confesso que me incomodava com algumas mulheres que se diziam hétero, mas que ficavam com várias mulheres ou amigas na balada, só-lá-na-balada. Entendo que me incomodasse por demonstrar uma provável barreira delas se permitirem se relacionar com mais complexidade com outras mulheres e que não precisariam, necessariamente, deixar de se relacionar com homens pra isso. Elas podiam ser bissexuais, digo, assumir-se bi poderia significar ter profundas e saudáveis relações com mais pessoas e de perfis mais diversos.

Daí, muitas outras histórias construí e bifobias vivenciei, mas parece sempre nos fazerem acreditar ser algo que “merecemos” passar, pois errados somos nós, que não somos definidos nem de um lado, nem do outro. Estamos experimentando… até encontrar o amor da nossa vida e nos aquietar. Por isso nos chamam de indecisos, confusos e não confiáveis. Ter sido chamada de promíscua não era uma consequência apenas da minha bissexualidade, mas da minha coragem de escolha sexual. Digo isso, porque podem dizer que sexualidade não é opção, mas será que sair do armário e assumir-se do jeitinho que a gente se sente ser é? É preciso ter coragem e uma estrutura emocional suficiente para estar exposta aos mais diversos julgamentos.

Aos 19 anos, estava já num relacionamento com minha primeira namorada, quando soube que minha ginecologista havia comentado sobre mim a uma amiga: “Espere só até ela cair nos braços de um homem…” Me senti realmente mal, como se pra ela eu fosse uma farsa! Já a minha própria namorada não podia saber que eu estava com amigos homens, em qualquer circunstância, que já me olhava torto ou me maltratava. Ela costumava me questionar repetidas vezes se eu não preferia estar com alguém que tivesse “pinto de verdade”, e isso não fazia o menor sentido pra mim! Eu era loucamente apaixonada por ela e mal enxergava quem estava ao meu lado, meus planos eram viver com ela e pensava até em fazer inseminação artificial. Dá pra imaginar? A relação acabou. Tive outros namorados.

Tive um namorado que maltratava todas as minhas amigas e eu nunca entendia o porquê ou não queria ver. Até que um dia ficou claro que ele assim o fazia para “marcar território” e deixar claro que era o meu namorado, e tudo isso por ter a dúvida que, por ser bissexual, eu poderia a qualquer momento ficar com alguma delas. Esses foram só alguns exemplos de situações de opressão e preconceitos que eu passei, por não me “encaixar” na monossexualidade.

Acredito que minha história como bissexual possa ter semelhanças com vivências de outras mulheres, porque além da bifobia, é marcada por muito machismo também.

Não gosto de dizer que me descobri bissexual, mas sim de afirmar que assim me reconheço, pois não acredito que tenha sido uma descoberta no sentido de desvendar A VERDADE, mas apenas de me perceber e me permitir sentir o que sinto. De alguma forma, eu descobri que permitir-me é o primeiro passo para tornar possível o enfrentamento dos preconceitos e julgamentos mundo afora! O que eu diria a outras mulheres sobre a sua sexualidade? Permita-se.

 

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Faça parte dessa luta agora

Tudo que AzMina faz é gratuito e acessível para mulheres e meninas que precisam do jornalismo que luta pelos nossos direitos. Se você leu ou assistiu essa reportagem hoje, é porque nossa equipe trabalhou por semanas para produzir um conteúdo que você não vai encontrar em nenhum outro veículo, como a gente faz. Para continuar, AzMina precisa da sua doação.   

APOIE HOJE