Como você está se sentindo hoje? Alguma angústia ou ansiedade? E nas últimas semanas e meses, como anda o seu estado emocional e disposição? É frequente nós, mulheres, pensarmos no bem-estar de todos e esquecermos do nosso. Então queremos te convidar a tirar alguns minutos para respirar fundo e refletir: como você realmente está se sentindo? O que tem feito para se acolher e cuidar da sua saúde mental?
Sabemos que para a maioria de nós não é possível congelar a rotina e viver momentos de pausa e autocuidado. Além da sobrecarga de demandas que precisamos dar conta, as cobranças desproporcionais sobre as mulheres chegam, mesmo com o nosso conhecimento crescente sobre saúde mental.
A Organizações das Nações Unidas (ONU) reconheceu o termo saúde mental e o inseriu nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em 2015. No Google, o pico de buscas por saúde mental ocorreu em junho de 2020, quando a maioria de nós respirava com dificuldade diante do isolamento, violência institucional, mortes e incertezas da Covid-19. O mundo sentiu ansiedade, medo e dificuldade de se reerguer, mas para as mulheres o adoecimento mental foi e segue sendo ainda mais grave.
Em nossa pesquisa Esgotadas (2023), do Lab Think Olga, 45% das mulheres relatam terem sido diagnosticadas com algum transtorno mental. Além disso, a ansiedade é parte da vida de 6 a cada 10 delas (ou seja, somos a parcela mais ansiosa da população, no país mais ansioso do mundo!) Entre as razões do adoecimento e insatisfação, 48% apontam a situação financeira e 36% as dívidas; 22% falam sobre o trabalho doméstico e 20% sobre a jornada de trabalho excessiva (que pode ser dupla ou até mesmo tripla).
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Estamos cansadas
Para complementar esse cenário, uma pesquisa do Datafolha (2023) revelou que 38% das mulheres têm dificuldade para dormir ou acordar e 19% está deprimida ou sem esperança. Em comparação com os homens, os números são 24% e 5% respectivamente. Estamos falando de uma população adoecida e triste, ansiosa e empobrecida. E nem precisaríamos dos números para nos amparar. É só olhar para o lado, para as ruas ou para o próprio espelho.
Apesar do crescente debate sobre saúde mental feminina, mulheres de todas as origens e vivências seguem julgadas e questionadas quando optam por dizer “não”. Por desistir, por não competir, por não dar conta de tudo, por não querer manter a mesma dinâmica de sobrecarga com jornadas múltiplas, por não pactuarem com cobranças irreais e por não aceitarem o dever imposto de cuidar de tudo e todos, como se fosse condição intrínseca de ser mulher.
“Nós, mulheres, somos vistas como doadoras do nosso tempo e do nosso trabalho em nome do afeto que sentimos pelos filhos, pelo marido e por outros familiares, afeto que nos faz assumir os cuidados da criança, cozinhar, limpar, lavar e passar, entre muitas outras funções domésticas.”
Trecho do livro Quem vai fazer essa comida? – Bela Gil
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Não somos heroínas
Maior ainda é o julgamento às mulheres negras, estereotipadas como fortes e guerreiras, com pouca ou nenhuma margem para sucumbir às pressões emocionais. Em nosso Brasil racista, desigual e machista, as mulheres pardas e pretas, que representam mais de 28% da população, se encontram profundamente adoecidas e empobrecidas.
Na pesquisa Esgotadas, constatamos que mulheres negras das classes D e E, com mais de 55 anos, são as principais provedoras de seus lares. E as que mais cuidam. Precisam amparar pais, filhos e netos com pouco ou nenhum recurso.
Em todos os recortes, mulheres ganham um salário inferior ao dos homens. Mas quando olhamos para as mulheres negras, a disparidade é chocante: a remuneração média delas equivale a 48% do que homens brancos ganham, segundo estudo da FGV 2023. Precisamos dizer ainda que a taxa das pessoas pretas e pardas abaixo da linha da pobreza é duas vezes maior que a de pessoas brancas (IBGE, 2022). Tudo isso demonstra como a feminização da pobreza tem gênero e raça, impactando diretamente nas condições emocionais.
“São mulheres que insistem e lutam para não morrer, mas é importante dizer que a gente morre sim. Então a gente precisa muito encontrar saída para esse caos que o sistema coloca sobre nós.“ – Deborah Elianne em bate-papo transmitido ao vivo sobre o relatório Esgotadas
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Para além de janeiro
Neste Janeiro Branco, vimos uma grande onda de conversas sobre saúde mental ocupar as redes digitais e os espaços físicos. Pode ser que algumas das mensagens já tenham te provocado reflexões internas. Ou, talvez, esse texto que você está lendo agora seja o primeiro a te despertar para o tema. O importante é continuarmos. Indo além de datas e campanhas específicas, tratando o adoecimento feminino como pauta séria, urgente e de responsabilidade de todos os âmbitos da sociedade.
Nas empresas, é necessário implementar políticas corporativas de cuidados em saúde mental, garantir condições dignas e equânimes de trabalho e remuneração, ter um ambiente saudável, seguro e sem assédio, promover a conciliação saudável entre carreira e maternidade.
O setor público também precisa se aliar nessa frente, investindo e ampliando os serviços ligados à saúde mental no sistema público (SUS, SUAS, CRAS) e outras redes de assistência social. Deve estender também o debate sobre o tema em escolas e na sociedade e, sobretudo, reduzindo desigualdades de gênero e raça no país.
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É sobre cuidar da gente
Dentro de nós e em nossas redes de apoio, podemos trabalhar por novas mentalidades e comportamentos. Podemos lutar pelo direito de dizer NÃO quando não estivermos dando conta, sem que isso desampare outra pessoa que precise de cuidado. E cobrar o poder público, o patrão, o companheiro e quem mais tem a responsabilidade de compartilhar a carga do cuidado conosco.
Que a gente possa focar também na nossa própria saúde, ter espaço mental e assim evitar que, entre todos os pratinhos que giramos, o que caia seja o nosso. Acima de tudo, cobrar os diferentes setores da sociedade pelo cuidado como bem comum. Por aqui, persistiremos nesse caminho porque temos uma certeza: cuidar da gente, mulheres que cuidam de tudo e de todos, é revolucionário.