Com a pandemia do coronavírus e orientações para que pessoas evitem sair de casa, muitas empresas estão implementando o home office (trabalho remoto de casa) a partir de agora (a discussão sobre o % que estes postos de trabalho representam deixo para outro momento). E isso é uma oportunidade para que se debata a inclusão das mães no mercado de trabalho.
Inúmeros perfis que trabalham a questão da empregabilidade das mães têm comemorado, dizendo que este momento mostra às empresas que as mães podem ser produtivas online, mesmo com os filhos em casa. Isso pode ser um tiro no pé para as mulheres.
Confunde-se muito ainda ter flexibilidade com trabalho remoto e responsabilidade por cuidar de crianças com maternidade. Isso é muito perigoso.
Ninguém precisa ser mãe para valorizar a flexibilidade de horários que permitam ir ao médico, acompanhar alguém de quem cuidamos (sim filhos, mas também idosos ou outras pessoas que necessitem deste cuidado) ou ir a uma reunião da escola. Pais também podem – devem – fazer isso e, embora a gente saiba que a realidade brasileira é muito injusta com a carga que recai sobre mães neste sentido, reforçar este lugar celebrando a flexibilidade e o trabalho remoto como algo que “beneficia mães” me parece verdadeiramente uma arapuca.
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O home office com filhos, na minha experiência atendendo mães, especialmente as empreendedoras, é uma das maiores fontes de frustração e culpa quando se deparam com as dificuldades concretas de se trabalhar em casa com crianças.
Muitas mulheres (grávidas) chegam a mim com o desejo de empreender, crentes de que terão mais tempo com seus filhos trabalhando de casa, sem gastar com babá ou escola. Imaginam que farão isso enquanto as crianças placidamente brincam de Lego. Por outro lado, quem já tem filho(s) costuma cair no conto de que basta trabalhar quando eles dormirem.
Gente, é muito desgastante fazer qualquer coisa após um dia cheio de gritos (se for mais de um, pode rolar luta livre também), choros desconsolados, casa bagunçada e seu nome sendo chamado a cada três segundos. Isso sem falar em dias de criança doente, que costumam também envolver o combo: mãe + criança doente.
A mulher chega ao fim do dia exausta e ainda tem que produzir e ser criativa e atender bem seus clientes? Aí bate a culpa, a sensação de incompetência, a frustração, a raiva e a sensação de estar fazendo tudo errado o que a faz ficar ainda mais nervosa durante o dia com as crianças – que costumam devolver com mais bagunça e estresse.
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Este ciclo é a razão do fracasso de muitos empreendimentos maternos e da frustração das que retornam ao mercado ou de quem conclui que é melhor trabalhar em casa mesmo (não usarei o desprezível termo “mãe em tempo integral”) sentindo-se fracassadas, incompetentes e improdutivas.
“Se fulana consegue, por que eu não consigo?” elas me perguntam.
Vejam, embora de fato esta seja a realidade de algumas, acreditem: elas são minoria e, normalmente, costumam ter privilégios que fazem toda a diferença nessa gestão. Não quero, de maneira alguma, menosprezar o esforço de quem gerencia um negócio trabalhando em casa e cuidando de filhos sem ajuda externa, mas precisamos olhar para as questões estruturais envolvidas para não cairmos na falácia da meritocracia e acharmos que todas que não conseguem equilibrar esses pratos são fracassadas, incompetentes ou não se esforçaram o suficiente.
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E tudo isso se agrava neste momento de crise em que todo mundo que tem um trabalho que pode ser feito remotamente está sendo liberado para trabalhar remotamente, mas não serão avaliados da mesma maneira ao fim da crise.
Não é de hoje que questiono o home office como uma armadilha para a manutenção da divisão sexual do trabalho, mas agora, diante do necessário isolamento social para fins de contenção de uma epidemia, outra questão que fica, como bem pontuado pela minha amiga Nêmora, é: como será a avaliação de desempenho deste período que, até o momento, não sabemos quanto tempo irá durar?
Gestores preocupados com inclusão precisarão levar em consideração que o home office e – a qualidade do mesmo – é totalmente diferente para alguém sem filhos (ou que age como se o fosse) e quem tem um bebê. Assim como é bem mais desafiador trabalhar e se concentrar tendo em casa crianças pequenas, do que adolescentes.
Claro que este será um problema para pais e mães que compartilharem os cuidados com as crianças, mas como as empresas irão encarar cada um deles no cumprimento das atribuições profissionais? E como será para as mães-solo (que comandam 11,6 milhões de lares, segundo o IBGE)?
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O que à primeira vista poderia surgir como solução, pode acabar reforçando distorções.
Eu tenho pensado muito sobre isso no trabalho com empresas porque, ainda que se avance na inclusão de mulheres pergunto-lhes: de que mulheres estamos falando? E não falo só – mas também – de raça, orientação sexual e identidade de gênero – mas das mães. Incluir mulheres sem filhos, que podem ficar até tarde e participar dos happy hours é uma coisa, mas quando se trata de mães e de olhar para o cuidado, como estão as práticas de inclusão?
A discussão da maternidade e do cuidado como um todo, perpassa todas as outras porque ela é sobre responsabilidade compartilhada e redes de solidariedade e é também isso que toda essa experiência está nos mostrando: que precisamos nos responsabilizar uns pelos outros, para diminuir a aguda desigualdade de cuidado que a nossa sociedade suporta e que, inevitavelmente irá colapsar caso se mantenha como está.
Simplesmente valorizar A maternidade, A mãe e seu trabalho, reiterando a naturalização de supostas “características femininas”, dizendo que líderes mulheres são mais emotivas e empáticas, que mães são “multitarefa”, ainda que seja para “nos incluir” em posições de liderança, reforça estereótipos e é a justificativa perfeita para nos manter como principais cuidadoras, não apenas de crianças.
A responsabilidade pelo cuidado é da mãe, do pai e de toda a sociedade, incluindo empresas e Estado. Precisamos sim de reformas, mas não para reduzir direitos, e sim para garantir que eles estão onde mais são necessários: na licença-paternidade parental adequada e em espaços comunitários que assegurem o cuidado com crianças para que mães e pais possam trabalhar tranquilos.
Principalmente, precisamos parar de reforçar clichês e de romantizar uma relação que é construída no dia a dia e também tem seus altos e baixos.
É essencial desconstruir o mito do instinto materno, que desonera homens de suas responsabilidades e reforça a desigualdade como sendo algo natural e até “divino”.