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3 de novembro de 2016

Como lidar com os fanáticos? Com a lei!

Judicializar não é fazer uso da força injusta, mas reconhecer que o Estado é uma instância legítima para fazer valer as regras da democracia

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Só há dois caminhos – tentarmos conversar com os fanáticos ou ignorá-los. Fanático é todo aquele que não escuta nem dialoga; só grita e ameaça. No mundo virtual, a virulência do fanático pode ser pela caixa alta ou pela literalidade da ameaça digitada. Menos comum é o fanático que não se reconhece no destempero e solicita que seu texto abusivo seja gravado para posteridade. Todo fanático é um intolerante, mas nem todo intolerante é fanático.

Não arrisco sentenciar se o professor Samuel Milet é um homem intolerante ou mesmo um fanático, mas o que ele diz estimula o fanatismo.

Professor Milet não gostou da palestra de Sinara Gumieri na Universidade Federal de Rondônia. Ela falava de temas perturbadores para pensamentos dogmáticos; aborto era um deles. Os dois não se conheceram face a face, mas todas nós ouvimos os abusos verbais de Milet por um áudio que circulou o país.

Milet descrevia a palestrante como “bostinha”, “sapatona”, desmerecia seus argumentos como sendo ideológicos ou esquerdopatas, neologismos criados para o que a língua portuguesa não reconhece no léxico civilizatório. Vale lembrar: o áudio não foi escondido tampouco editado – ele tem início com Milet assegurando que já gravava o que passaria a vociferar.

O ambiente não era o quarto da casa ou uma mesa de bar, não houve buraco da fechadura ou escuta policial para o discurso. Milet estava em sala de aula e se dirigia aos seus alunos, em particular a uma aluna anônima que o questionava sobre os modos e as maneiras de argumentar suas ideias. Não houve escondido, mas palanque montado e acordado. O programa Fantástico da TV Globo, de 30 de outubro, descreveu como “aula de intolerância”.

Muitas pessoas nos aconselharam a ignorar os intolerantes ou os fanáticos. Algumas por desilusão de que haveria diálogo razoável com quem não se permite a dúvida; outras por preguiça em tempos de combates odiosos. Não é o intolerante ou o fanático quem nos interessa, apesar de serem eles, em nossos afetos e princípios, homens violentadores. Nos interessa falar sobre os limites entre o discurso do ódio e a liberdade de expressão, ainda mais quando quem fala com autoridade é um professor, um político, um padre ou qualquer homem de poder. O fanático precisa ser contido. O diálogo face a face é sempre a melhor saída, mas Milet não quis trocar ideias com a palestrante.

Não podemos ignorar os fanáticos. Precisamos falar muito sobre eles – e insistir no diálogo. Se as palavras não demoverem os fanáticos da vontade de violência, que a força da justiça entre em cena.

Judicializar os excessos cometidos pelos fanáticos é uma forma de insistir na conversa.

Gostamos do diálogo, aprendemos uns com os outros, precisamos duvidar de nossas crenças, ainda mais quando somos professoras e pesquisadoras. Mas também acreditamos nas regras civilizatórias para o debate – não vale desqualificação moral, menos ainda ameaça ou violência. Judicializar não é fazer uso da força injusta, mas reconhecer que o Estado é uma instância legítima para fazer valer as regras da democracia. Se Milet não aprendeu pela vergonha de seu brado em vários cantos do país, talvez aprenda com a força da Justiça batendo à sua porta.

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* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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