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mulher negra, cabelos loiros crespos curtos, sorrindo largo
30 de setembro de 2024

BETs prometem riqueza, mas geram estragos financeiros e sociais

Jogos online geram vício e já viraram um problema de saúde pública

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Colagem digital mostra uma mão segurando um celular com um cifrão na tela. A imagem mostra também moedas, uma bola de futebol e uma jogadora de futebol e uma carteira aberta com uma mulher negra que parece um buda estilizado.

A legalização e proliferação das casas de apostas no Brasil, chamadas de BETs (aposta em inglês), têm causado grandes estragos sociais. Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC), os brasileiros gastaram cerca de R$ 68 bilhões em apostas nos últimos 12 meses. Além disso, outras pesquisas apontam que o vício em apostas já está prejudicando o orçamento das famílias brasileiras, com impactos alarmantes na alimentação e educação. Diante desse cenário, proponho algumas reflexões sobre isso:

Por que as pessoas confiam mais nas apostas do que no sistema financeiro?

O avanço das BETs é assustador em um país aonde grande parte da população está endividada e não possui reserva de emergência. Em março deste ano, o Brasil tinha 16,3 milhões de investidores em renda fixa e 5,1 milhões em renda variável. Por outro lado, 25 milhões de pessoas se tornaram apostadores apenas nos primeiros 7 meses de 2023

Esse contraste expõe a desconfiança histórica do brasileiro em relação ao sistema financeiro. O confisco da poupança em 1990, quando milhões de pessoas perderam suas economias, é um episódio crucial dessa desconfiança. Além disso, durante muitos anos, o mercado financeiro desconsiderou as pessoas físicas, especialmente as de baixa renda. Quem não se lembra como era humilhante abrir uma conta bancária décadas atrás?

Embora a expansão das fintechs tenha facilitado o acesso a serviços bancários — permitindo, por exemplo, abrir contas pelo celular —, a confiança no sistema financeiro parece não ter se recuperado plenamente. Para muitos brasileiros, especialmente os mais vulneráveis, as apostas se apresentam, ainda que de forma ilusória, como uma alternativa mais rápida e simples de enriquecimento. Enquanto isso, nos investimentos tradicionais, o elemento central para o sucesso é o tempo, e a linguagem dominante é a da ‘Faria Lima’ (avenida famosa de São Paulo que é sede de diversas empresas do mercado financeiro).

Cadê o governo nessa história toda?

Desde a aprovação do Teto de Gastos, em 2016, o Brasil vive sob uma lei que limita as despesas do Estado. Mesmo com modificações recentes pelo Arcabouço Fiscal, o governo continua buscando novas formas de arrecadação, e a regulamentação das BETs surgiu como uma dessas oportunidades. Estima-se que o governo arrecadará cerca de R$ 3,4 bilhões com essas casas de apostas, que devem solicitar autorização para funcionamento ao Ministério da Fazenda, conforme a Lei 14.790/2023.

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A adesão de grandes empresas, como Globo e SBT, ao mercado das BETs é um indicativo do interesse econômico que envolve essa indústria. O governo, com suas contas apertadas, vê nessa regulamentação uma forma rápida de gerar receita. No entanto, essa pressa em regular o setor vem acompanhada de uma negligência em relação às graves consequências sociais do vício em apostas. 

E as mulheres, como são impactadas?

Apesar da escassez de dados sobre a participação de mulheres no mercado de apostas, um dado publicado pelo Instituto Locomotiva é bastante preocupante: 62% dos brasileiros que começaram a fazer apostas este ano são mulheres. Isso demonstra como essa prática perigosa tem se alastrado nas camadas mais vulneráveis da sociedade.

A promessa de ganhos fáceis tem iludido milhares de pessoas e causado sérios problemas sociais e financeiros. Recentemente, o presidente do Banco Central afirmou que as transferências de PIX para empresas de apostas online aumentaram 200% no primeiro semestre deste ano, piorando a inadimplência da população de baixa renda. Vale lembrar que, no ano passado, as mulheres atingiram um recorde histórico de endividamento.

Esquecem que é uma questão de saúde pública?

O mercado de apostas tem sido discutido sob uma ótica econômica, mas é também uma questão de saúde pública. Os sistemas de apostas online são muito mais viciantes que os modelos tradicionais de loteria, gerando graves transtornos psicológicos. O ciclo de dependência pode levar à depressão, ansiedade e até mesmo ao suicídio, afetando não apenas os indivíduos, mas suas famílias e a sociedade como um todo.

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As consequências para o bem-estar das famílias brasileiras são imensuráveis. Ainda que o governo preveja arrecadar bilhões com a regulamentação das apostas, o custo social dessa decisão será muito maior. Estamos testemunhando a proliferação de um sério problema, que poderá sobrecarregar o sistema de saúde pública e aumentar a desigualdade e a pobreza social.

Não é melhor proteger seu dinheiro? 

Não se iluda! Não existe almoço grátis no capitalismo. As apostas oferecem uma ilusão de riqueza rápida, mas a maioria das pessoas perde mais do que ganha. Proteja seu suado dinheiro, invista com responsabilidade no mercado financeiro, tenha uma reserva de emergência e desconfie de soluções fáceis.

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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