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6 de setembro de 2024

A menopausa é o próximo grande tabu a cair

Coisas difíceis precisam ser processadas em nosso íntimo. Quando possível, é fantástico poder ter um plano de ação, possibilidades pensadas, experiências trocadas e por aí vai;

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Colagem mostra mulher sentada com as pernas dobradas encostadas no chão e mãos pousadas sobre os joelhos, com uma ampulheta com um útero dentro à sua frente

Aos 39 anos, do dia pra noite, entrei na menopausa, induzida quimicamente como protocolo de tratamento para um câncer de mama. A minha primeira sessão de quimioterapia veio com essa menopausa de “brinde”; a segunda começou a derrubar os cabelos, o que não me abateu muito. Era junho de 2022.

O tratamento do câncer não é nada fácil, todos sabem ou podem imaginar. E isso tem o seu valor, acreditem. A quimioterapia me trouxe inúmeros efeitos colaterais difíceis e que fomos (eu, a equipe médica e minha família) enfrentando na medida do possível. A queda dos cabelos era esperada e comecei a lidar com ela desde o dia 1, tive tempo de me acostumar com a ideia de raspar a cabeça quando chegasse a hora. E assim fizemos! 

Mas o que a história do cabelo tem a ver com a menopausa? A minha resposta é: eu adoraria ter tido tempo e informação para me preparar para a menopausa como consegui fazer em relação aos fios. Coisas difíceis precisam ser processadas em nosso íntimo. Quando possível, é fantástico poder ter um plano de ação, possibilidades pensadas, experiências trocadas e por aí vai.

Mas pouco se fala sobre menopausa. A induzida quimicamente menos ainda. Eu nem podia supor que isso viria no pacote do câncer, tornando-o desafiador por mais tempo. 

Sem transição nenhuma

No ano 1 do tratamento foram 16 sessões de quimioterapia e 15 de radioterapia. Eu coloquei na cabeça que era uma estratégia de sobrevivência. Eu me mantive positiva e resiliente e ouvi dos médicos que eu voltaria a ter uma vida ‘normal’ depois. Eu me alimentava com a esperança de que quando isso acabasse – no ano seguinte, imaginava – eu ia ser a Nathalia de novo. 

Ao final dessa fase mais complexa, eu iniciaria novas medicações via oral e seguiria com a injeção hormonal a cada 28 dias para supressão completa da produção de estrogênio, que é um catalisador para o meu tipo de câncer. Eu ia tirar de letra, acreditava ingenuamente. Nem preciso dizer: quebrei a cara!

Leia mais: O mercado da menopausa: do tabu à desinformação 

O meu tipo de menopausa – a química – tem alguns inconvenientes adicionais. Vamos aos dois que considero mais determinantes: 

  1. Ela começa do dia para noite a partir da primeira injeção, sem a vivência do climatério, que é – aprendi bem depois – o período de transição para a menopausa. Aqueles anos em que os sintomas vão aparecendo, o corpo, a cabeça e a xana vão se adaptando para o fim da fase reprodutiva e o que ela traz consigo.
  1. Praticamente nenhuma das soluções de administração dos sintomas da menopausa, como, por exemplo, a reposição hormonal (que é uma das principais) podem ser utilizadas no meu caso. Eu tinha hormônios, foram os medicamentos que tiraram!

Por que só me falaram dos fogachos?

Os calores da menopausa – ou fogachos – são mesmo terríveis, mas se fosse só isso estava bom, como se diz por aí. A gente aprende a conviver. No meu caso, com o tempo, os episódios diminuíram bastante e assumiram um padrão – geralmente chegam à noite antes de dormir, quando começo a relaxar -, o que facilita o aprendizado do corpo sobre como lidar com isso. Ah, fazer exercícios físicos ajuda muito também!

Cansaço, fadiga, dor nas articulações, insônia. Cansaço, fadiga. Perda de memória de curto prazo, raciocínio lento. Cansaço, fadiga. Incapacidade de fazer contas simples de cabeça (eu era ótima nisso), palavras trocadas a toda hora. Cansaço, fadiga. Ressecamento vaginal, libido no pé. Cansaço, fadiga. Pele ressecada, boca seca. Cansaço, fadiga.

Ah, mas é tudo culpa da menopausa? Não sei ao certo! Jamais saberei, porque, em mim, a menopausa chegou num corpo terra arrasada, após uma cirurgia, com quimioterapia e radioterapia. E, olha, isso acontece com milhares de mulheres que sobrevivem ao câncer de mama. Você já ouviu falar sobre essas coisas abertamente? Eu nunca!

Retorno à vida normal, será?!

Nesse cenário, supostamente retorno à ‘vida normal’ e sou assolada por uma decepção de doer, de moer a alma. Infelizmente, é comum que a depressão chegue para mulheres com câncer de mama neste momento e não lá no início de tudo. 

Justo quando parecia que tudo ia voltar a dar certo… Não, volte 15 casas. Mas você está viva, você só tem a agradecer. É o que dizem! E aí você se arrasta, briga para conseguir voltar a fazer exercício, para trabalhar, se frustra porque não tem vontade de transar.

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Julho de 2024. Dois anos se passaram desde a primeira quimioterapia e o início da menopausa. E começo a colocar a cabeça para fora da toca, mais disposta, melhor informada, mais empoderada. Sim, a nova eu é bem diferente da anterior. 

Eu tenho outros tempos (lentos!), me sinto menos potente no trabalho, menos interessante no sexo. Por outro lado, mais sábia, mais conectada à minha esposa e à minha família, mais pé no chão, mais simples, mais leve. E corajosa, contando tudo isso aqui para vocês.

O universo conspira…

No meio dessa caminhada – e só estou fazendo esse relato público porque fui atravessada por ela – chega até minha vida a Leila Rodrigues com sua empresa Menospausa, que tem como missão promover conhecimento sobre menopausa para mulheres e empresas. Não custa lembrar que há no Brasil cerca de 20 milhões de mulheres com idades entre 40 e 50 anos em plena atividade profissional e é impossível parar de contar conosco. O caminho é integrar!

Leila tornou-se uma estudiosa, e junto com uma equipe de mulheres profissionais da saúde, também especializadas no tema, vem construindo soluções nesse mercado. Sim, a menopausa está se tornando um mercado em expansão. Com muitos e muitos anos de atraso, mas está acontecendo! 

Como diria Drauzio Varella, em artigo da Folha de São Paulo de maio de 2023, “Se menopausa fosse em homens, a ciência já teria agido”. Mas nós estamos aqui. Nossos corpos importam! Estamos virando esse jogo!

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Menopausa não é doença, mas, quase invariavelmente, seus sintomas chegam de um jeito peculiar para cada mulher. Se você, pessoa com útero, ainda não está, está indo para lá. É questão de tempo.  E posso dizer com entusiasmo que hoje há inúmeras possibilidades de suporte. A informação é a primeira delas! Precisamos falar sobre menopausa, tirar essa conversa da penumbra, nos ver umas nas outras, e saber que faz parte da vida, é um momento de transição, uma ponte a ser percorrida. 

Finalizo lembrando que a minha relação com a menopausa é atravessada pelo câncer de mama e isso torna tudo bastante particular. Foi como chegou para mim. Para você, suas amigas, suas filhas será diferente. Mas uma coisa é certa: se você estiver bem informada, se puder identificar os sinais logo no início, se souber a quem recorrer, tudo será mais suave. A coisa começa na cabeça! 

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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