Da mesa do bar ao ambiente de trabalho, a cena é comum: uma mulher está falando e, antes de terminar, é interrompida por um homem. Sem constrangimento e com confiança, ele passa a explicar para ela e aos outros presentes o que ela estava a dizer. Esses dois comportamentos têm nomes (infelizmente apenas em inglês, até o momento): mansplaining e manterrupting.
Os dois termos são primos e podem ou não andarem juntos. O mansplaining acontece quando um homem explica coisas óbvias à mulher, muitas vezes com um tom paternalista, como se ela não fosse intelectualmente capaz de entender algo. O manterrupting acontece quando homens interrompem falas de mulheres.
“Eles acontecem em todas as áreas da vida das mulheres. No espaço acadêmico, no mercado de trabalho, nos relacionamentos amorosos e no ambiente familiar”, afirma a terapeuta de relacionamentos Sabrina Costa.
Ela explica que essas são algumas das maneiras de calar a voz da mulher, mesmo em assuntos que elas dominam. “Parece inofensivo para alguns, em um bar, um homem interromper uma mulher para explicar que, na verdade, ela não entende que um cara que grita ‘gostosa’ para ela na rua estava apenas fazendo uma cantada, não a assediando”, exemplifica.
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Mas isso pode ter consequências reais, que vão desde a insegurança da mulher, até problemas profissionais. Sheryl Sandberg, chefe de operações do Facebook, explicou isso em um artigo do jornal The New York Times, em 2015. “Quando uma mulher fala num ambiente profissional, ela caminha na corda bamba. Ou ela mal é ouvida ou ela é considerada muito agressiva. Quando um homem diz exatamente a mesma coisa, seus colegas apreciam a boa ideia”, escreveu.
Por que isso acontece?
O fenômeno reflete a crença de que as mulheres valem socialmente menos do que os homens, e assim também suas vozes. A professora da Harvard Business School Francesca Gino avalia que isso acontece por causa dos preconceitos inconscientes que temos sobre gênero, como a tendência de ver homens como líderes e mulheres como subordinadas, escreveu ela em artigo da publicação Harvard Business Review.
Ela diz que essas crenças estão profundamente arraigadas em nós e lista algumas coisas para tentarmos combatê-las:
- Reconhecer que fazemos suposições sexistas sem perceber;
- Consumir conteúdos (como filmes e séries) com representações mais plurais de mulheres e outros grupos marginalizados;
- Conhecer pessoas que frequentemente são estereotipadas, como pessoas LGBT;
- Nos colocar no lugar de nossos interlocutores em conversas.
Mulheres são as mais interrompidas
Para as mulheres, a conversa é um campo de batalha em que é preciso lutar por cada segundo de fala. Um estudo realizado pela Universidade George Washington, nos Estados Unidos, mostra uma coisa interessante: o gênero da pessoa que faz a interrupção importa menos do que o gênero da pessoa que é interrompida.
Ao analisar conversas entre mulheres e homens, os pesquisadores notaram que as mulheres, em geral, tendem a ser mais interrompidas do que os homens. E que embora as mulheres sejam menos propensas a interromper no geral, quando o fazem, é mais provável que elas interfiram nas falas de outras mulheres, mais do que na fala de homens.
A linguista Kieran Snyder, CEO da startup Textio, fez uma avaliação parecida, mas mais informal do fenômeno, observando 15 horas de reuniões com mais ou menos o mesmo número de homens e mulheres.
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Ela notou que quase dois terços das interrupções vieram dos homens e que esses homens tinham três vezes mais chances de interromper mulheres. Quase 90% das mulheres que interromperam também tiveram como alvo outras mulheres. “As mulheres interrompem-se constantemente, mas interrompem raramente os homens”, diz Kieran em artigo.
Ela diz que os resultados da sua observação sugerem que as mulheres não avançam em suas carreiras, para além de um certo ponto, sem aprender a interromper. “Líderes femininas fortes são frequentemente taxadas com termos pejorativos como mandonas e desagradáveis”, diz Kieren, contando que já foi chamada de todas essas coisas na sua trajetória profissional na área de tecnologia, ainda hoje dominada por homens.
Man o quê?
Esses não são comportamentos novos, mas alguns termos foram criados mais recentemente para sinalizar o machismo nas relações entre homens e mulheres. O termo mansplaining, por exemplo, foi popularizado pela escritora norte-americana Rebecca Solnit no livro “Os Homens Explicam Tudo para Mim”, de 2008. Nele, ela conta o caso do homem que tentou explicar do que se tratava o livro que ela mesma havia escrito.
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No Brasil, o termo vem ganhando destaque por meio de polêmicas. A última foi no fim do ano passado, quando a youtuber Kéfera Buchmann, em um programa de TV ao vivo, discutiu com um convidado que estava explicando o que é feminismo para mulheres.
“O que você está fazendo é mansplaining, que é o homem explicar o feminismo para a mulher. Não é necessário, a gente sabe muito bem o que é feminismo e a gente entende o seu ponto de vista, só que é desnecessário”, disse.
O termo também rendeu um vídeo bem-humorado no canal do Porta dos Fundos.
Homem, faça esse teste!
Se você é homem e chegou até aqui, pode estar se perguntando: afinal, quando posso explicar algo a uma mulher? Vale fazer o exercício a seguir.
Uma usuária do Twitter (@ElleArmageddon) fez um gráfico que ajuda a entender melhor quando um cara pode explicar algo sem fazer mansplaining. Reproduzimos ele aqui em português.